– Se você levantar da mesa eu não me dou por mim!

– Que não se dá por você o quê, rapá! Eu ganhei, tô levando todas mesmo, você tá aí com sua sorte enviesada, chamando Jesus de Genésio, as vista anuviada, tá nem vendo as cartas.

O pano da mesa era claro, cor quase amarela.

– Você tem essa mania de ganhar e levantar da mesa quando seu bolo já tá assim, ó. Você é um bom sacana! Aliás, você não é um bom porra nenhuma.

– Mas rapaz, deixe de conversinha! Eu levanto se eu quiser, as pernas são minhas, o dinheiro eu já ganhei, é meu, já levei até as fichas verdes, o caixa tá zerado. Levei todas, cê num tá vendo, não, Sem Sorte?

– Cê me chamou de quê?!

Na mesa só havia eles dois. Era um tête-à-tête de responsa no pife. Nove cartas, três trincas, três sequências, ou misturado, o que viesse primeiro. Quando decidiam prolongar a noite, depois de todos já terem levantado da mesa, era sabido que ia sair faísca.

– A sorte gosta de mudar na última rodada, cê tá sabendo, né, Genuíno? Esse seu monte de ficha aí pode cair na mão do papai aqui. É só você não amarelar, jogar essa mão, nem que seja a última. Aí nós vamos ver quem é o Sem Sorte da parada.

– Ô, filhote!

Garapa, peru de fora dos maiores, ajeitou as cartas. Quando o reggae comia no centro, ele gostava de ficar no fuzuê. Deu as cartas bem devagarinho, de olho na reação de cada um. Genuíno gostava de pegar todas de vez. Tonico pegava uma por uma. A última das nove ele colava no bolo que já estava na mão e deslizava pra ver o conteúdo bem devagar.

– Vou dar aquela veeelha choradinha.

Genuíno secou a choradinha de Tonico. Secou, secou, secou.

– Pelamordedeus, Genuíno, deixe de secar minha porra! Você já todo aí cheio de ficha e ainda fica de sacanagem com meu parangolé aqui!

Depois da chorada, a poeira se assentou. No cava, foram sete rodadas. Um ás de pé-de-pinto rodou das mãos de Genuíno para a mesa.

– Rááááááá! Falei a você que a sorte mudava, Zé Bedeu!

Tonico ganhou aquela.

E perdeu todas as outras do restante da madrugada, até ficar liso liso.

Carmezim escreve às quartas