Fico aqui deitada pensando em quais categorias o senhor imagina me enquadrar, mas o que eu queria mesmo era ser incategorizável. De modo que não vejo muito sentido em estar aqui, mas estou. Se ao menos o senhor pudesse responder todas as minhas perguntas, como um oráculo. Mas não, só sabe repetir que sou eu que tenho que encontrar as respostas. Se for assim, para que preciso te pagar? É porque se estiver sozinha procurarei no escuro e com o senhor terei uma lanterna? E se eu não tiver medo do escuro?
Mas eu tenho medo do escuro. E de tantas outras coisas. De bichos, fantasmas, assalto, sequestro, estupro, morte minha ou alheia próxima, mais medo ainda de, envelhecendo só, que ninguém perceba que eu deixei de viver. Se se passarem mais de três dias, será horrível, não será? Sei que será. Medo tirando aquele de quando se foge de um leão na selva é algo muito inútil, não é? É uma agonia sem valor, estando tudo tão fora de controle. A gente só podendo assistir. Então. Meus medos, meus pesadelos. Queria tanto não acordar cansada.
O senhor acha que é assim mesmo de a pessoa ter sempre que revezar entre ter rumo e não ter rumo, ou há quem nunca seja perdida? De que tem gente que é só perdida eu sei. Não sou eu, é outra pessoa que conheço. Mas fico também pensando se não é melhor assim, porque gera um hábito, não é? Sempre estar perdida. Mas esse ser perdida e não ser mais, ser, não ser mais é tão cansativo. E não dá para viver direito coisa nenhuma, porque quando se está perdido se pensa mas já houve época de não ser assim, e quando não se está sempre se pensa e se eu voltar a ser perdida e não for mais alegrinha, de novo tudo aquilo, vou aguentar, nao vou, vou aguentar, não vou, vou. Conhece aquela história de que um homem muito desesperado vai até um monge e lhe conta todas as suas dores-angústias e o monge (é sempre um monge, não é?) lhe entrega dois bilhetes com a recomendação de abri-los apenas quando estiver muito triste ou muito feliz, e o senhor sabe o que estava escrito, não sabe? Vai passar.
Só vim aqui hoje para te fazer uma pergunta, que nem é pergunta, é provocação, é uma esperança de que o senhor vá dormir pensando nisso: o senhor está sempre assim, bem? E o senhor não tem medo de que ouvindo tantas vidas possíveis um dia simplesmente não saiba lidar? É possível que isso ocorra, sabia? Li um estudo sobre isso. Mentira, inventei agora. É só que quando a gente ouve falar que tem comprovação científica aí dá uma crença, não é? É a nova Bíblia.
Tatiana Mendonça escreve às sextas
2 comentários
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junho 3, 2011 11:17 am às 11:17
Tiago Galvão
Aí eu entrei aqui hoje porque me lembrei que era sexta-feira e poderia sentir algo diferente. Lembrei que podia ler você. Daí você me fez lembrar da sessão de análise que tenho hoje mais tarde e do eterno retorno do mesmo…de mim mesmo.
Só por hoje estou com muita raiva de você, tipo nó na garganta.
Sabe quando você olha no espelho e seja lá pra que lado você vira, e ou que ângulo seu olho vaguei, aquela roupa não te serve. No meu caso, está apertada demais, tipo prostituta com sobrepeso, que se enfeita em início de carreira e acredita que está bonita.
agosto 5, 2011 8:54 am às 8:54
Ellene
Muito ótimo. Só consigo dizer isso. Teu melhor escrito.