– Eu já lhe disse a você como é que a coisa vai funcionar.
Rinaldo estava torto de irritação com o time em campo e, na beira do gramado, dava orientações para o garoto que ia entrar.
– Cê precisa pegar de jeito na bola, sujeito. Menino bolêro não fica muito tempo com a bola presa no pé sem dar as finalidades, cê entendeu? É preciso de olhar de soslaio, de canto de olho se for o caso, pra ver se o companheiro tá passando e entregar o passe açucarado, sacô?
O menino fitava o rosto de Rinaldo como se da cara dele saísse luz. Como ele era claro com as palavras!
– Na hora que a zuada pipocar, ou seja, distrinchando pra você, na hora que neguinho vier fervendo de sede pra cima de suas canela, você tem que se antecipar. Antecipação faz o craque, Nezinho. Antecipação faz o craque.
Nezinho não piscava.
– Na sua posição que você joga tem gente de tudo que é lugar de olho pra brigar. Pense assim, Nezinho: eu sou a pessoa que faz a máquina girar, toda azeitadinha, eu que tenho que saber o que ninguém pensou antes e enfiar lá.
O juiz da partida já sinalizava pra que Nezinho entrasse, não podia perder mais tempo. Zero a zero, jogo de perder a paciência. Jogo de bairro, mais importante que final da Liga dos Campeões.
– Pense no passe, pense no drible, pense antes em tudo, Nezinho, porque pode ter certeza que Bigorna vai esperar o seu presente bem de jeito, vai matar no peito, tirar o goleiro e fazer a felicidade dessa rapaziada toda que tá ali no alambrado torcendo pela gente.
Nezinho alongou a parte posterior das duas coxas. Colocou a mão na cintura, girou pra um lado, pro outro. Sentiu medo.
– Fessô, e se eu não conseguir? Tô com as perna tremendo toda!
Rinaldo apelou.
– Você é meu a-mu-le-to. Cê entende, Nezinho? A-mu-le-to. Se você se antecipar, possas crê que cê vai sobrar em campo. É só usar essa perna esquerda como um taco de sinuca, com bastante giz na ponta.
Nezinho tocou na cal e fez o sinal da cruz, entrou com o pé direito dando três pulos. Mal colocou o pé esquerdo no chão a bola sobrou.
Tem gente que até hoje diz que baixou um santo ou que Nezinho, ao levantar a cabeça, fez um raio x da posição de todo mundo em menos de um segundo. Quando meteu o pé esquerdo de três dedos encontrou Bigorna na mesmíssima linha do último zagueiro.
Aí foi só alegria.
Carmezim escreve às quartas-feiras
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