Pedro

Pedrinho preparava-se para dormir. A aia abria-lhe o mosquiteiro, para que as muriçocas não fizessem um banquete de madrugada, às custas do menino.

— Dadama, quando volta o pai? — perguntou ele.

Sentada numa cadeira próxima ao leito, a mulher inclinou-se para o garoto e descolou-lhe a franja da testa molhada de suor.

— Vosso pai ainda tem assuntos a resolver no outro lado do mar, Vossa Graça — era mentira; há quase um ano o homem estava morto, mas como dar tais notícias a uma garoto de apenas nove anos, que já perdera a mãe? — Tivemos essa mesma conversa outrora…

— Eu sei. Mas é que estou com saudades… — o menino deu um muxoxo. — Faz anos… Gostaria de poder ter com ele.

Os finos dedos da mulher deixaram os cabelos do garoto, deslizando pela seda do pijama até se fecharem sobre o pulso dele.

— Sabe que não pode, Pedrinho. Vossa presença é essencial aqui, nestes tempos. O Reino se despedaça, e talvez não tenhamos paz até que Vossa Graça esteja em idade de governar.

— O Grande Meistre Feijó não é um bom homem?

— Sim, é um bom homem, mas isso não faz dele um bom líder. Desde que vosso Pequeno Conselho deixou de governar, e Meistre Feijó passou a dar ordens sozinho, os vassalos se tornaram mais atrevidos, estão perdendo o respeito pelo Trono.

— Você fala dos Pernambucanos?

A aia fez um gesto de desdém.

— Antes fossem só eles, a cujos rebuliços já estamos acostumados — ela fez uma pausa e olhou para a porta antes de recitar o lema da casa que se apresentava sob o estandarte de um feixe de cana-de-açúcar. — Nossa justiça é doce. Tsc. Quanta baboseira! — a aia bufou e, em seguida, fitou o garoto. — Agora, parece-nos que todas as grandes casas querem se desligar do Reino. No Sul, os nobres fazem soar seus berrantes em luta por um governo à parte.

— Os homens-boi — lembrou-se Pedrinho das aulas de história. — Regurgitar, vencer é seu lema. Um louvor à paciência.

— Sim — a aia sorriu-lhe em aprovação. — Se isso for verdadeiro, creio que teremos de aprender a ser pacientes nós também. O problema… o problema é que não se trata somente do Sul. O Norte se rebela por inteiro. Na Bahia, o primeiro dos reinos, até mesmo os Outros, escravizados, tentaram tomar o poder para si. O levante felizmente foi evitado, mas nunca se sabe quando pode acontecer um novo. Enquanto isso, em Belém, nosso principal comando nas terras fluviais, um plebeu que se autointitula Sor Angelim acaba de derrubar aqueles que eram fiéis a Vossa Graça. Seus homens matam os soldados reais e desfilam com tétricos colares feitos com as orelhas do inimigo morto. Um horror! Querem mesmo mudar o secular lema dos nortenhos, O Norte é forte, para algo tolo como O Norte para os do Norte.

— Não podemos deixar isso acontecer! — os olhos azuis de Pedrinho estavam esbugalhados, e a respiração, entrecortada. Não se dera conta do momento em que se sentou. — Meu pai já sabe disso? E Bonifácio, que foi sua Mão de confiança, que tem a dizer?

— O velho está recluso em Paquetá — o garoto não sabia do desprezo que a aia sentia por seu ex-tutor, nem da campanha que ela movera para o expulsar do cargo. — E, dizem, perdeu o juízo.

— Céus, o Reino está mesmo em perigo…

Fitando a fundo os olhos do garoto, a aia teve a impressão de enxergar-lhe o adulto que seria já formado, apenas ressonando dentro daquele corpo franzino.

— E só Vossa Graça poderá salvá-lo.

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Breno Fernandes, que sonha ser o George R. R. Martin brasileiro, escreve às terças