– A questão não é o vamos. É o que não vamos fazer agora.

Poderia ser Mahatma Gandhi ou Martin Luther King, grandes líderes que utilizaram os ensinamentos de Henry David Thoreau e sua Desobediência Civil para afrontar e desarticular o estado opressor às suas causas.

Poderia ser o professor John Keating, personagem de Robin Williams no clássico ‘Sociedade dos Poetas Mortos’ ao estimular os jovens da Academia Welton a posicionar-se contra os rígidos pilares da instituição, um simulacro que reverberava os valores da alta sociedade conservadora inglesa.

Poderia ter sido até mesmo eu, com a mente ébria e sacolejante após 20 chopps artesanais no Pavilhão da Oktoberfest em Blumenau, ao aconselhar meu amigo-Senador Igor Laranjinha sobre qual seria o nosso roteiro até o fim daquele dia memorável.

Mas não era. Era Ferris Bueller – alter ego de Matthew Broderick e de todo adolescente atormentado com o peso das responsabilidades mais inúteis do mundo – ao resgatar Sloane, sua adorável namorada, de mais um tedioso dia no colégio para invadir o centro de Chicago ao cantar de pneus de uma Ferrari anos 60 restaurada.

Sim. Em 1986, Ferris já sabia que a rua era a maior arquibancada de Chicago.

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Após os acontecimentos que desenrolaram desde o dia 17 de junho deste ano da graça de Nosso Senhor, o que antes era impossível para os governantes, improvável para os jornalistas e inviável para os economistas, foi anunciado conjuntamente pelo prefeito e governador de SP: O preço do transporte público na maior cidade do país seria reduzido.

No rastro do anúncio, várias outras capitais e cidades do país também anunciaram redução das tarifas do transporte público. Algumas administrações tomaram tal atitude antes mesmo da decisão paulista. Em muitas, as manifestações ainda não haviam ganhado uma repercussão equivalente à paulistas nas ruas.

Essa é a hora em que eu recordo Matthew Broderick conversando com a câmera, enquanto o maitre do Chez Quis ameaça-o de prisão. Ele tranquiliza Sloane, seu amigo Cameron e todos nós com uma filosofia pouco ortodoxa:

– Nunca se vai longe demais.

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Se o amigo leitor ainda está insistindo nesta crônica na esperança que eu esmiúce as razões que motivaram a Revolta do Vinagre, desista. Também não faço a mínima ideia de onde tudo isso nos levará. Li muitas opiniões a respeito, algumas com embasamento e reflexões pertinentes, outras com inflexões estapafúrdias e, o máximo que consegui foi  encontrar algo peculiar entre elas: Todas possuem — em algum grau– uma dose de razão, um espectro de verdade. O que indica que a polissemia deste movimento –- além de salutar –- é um reflexo do excesso de demandas que carecem de soluções na sociedade atual. À medida que cresce exponencialmente o acesso a informação, cresce o descontentamento com as soluções apresentadas [e a falta delas] resultando em um efeito tipo onda. Várias pedras atiçadas simultaneamente num lago provocam uma ressonância mais perene que uma grande pedra atirada de vez.

O povo sempre teve motivos para se rebelar. Aqui mesmo, nesta tribuna, a equipe do Purgatório mostrou episódios de insurreição que antecedem, e muito, o atual momento, mediado pela tecnologia social de compartilhamento em tempo real. Ou seja: Sempre soubemos que ocupar as ruas é uma forma de externar insatisfação com o STATUS QUO –- vide Diretas Já, etc -– mas o mesmo meio que hoje é usado para mobilizar, era acusado de causador de letargia semana passada. A mensagem — durma com essa Mcluhan — sempre encontrará uma forma chegar às ruas. O meio será engolfado nesse processo. #OGiganteAcordou é uma bobagem abissal do ponto de vista epistêmico, mas é um forte mobilizador social.

Agora que os valiosos R$0,20¢ foram ressarcidos, qual será o próximo passo? Se finalmente REDESCOBRIMOS a rua como extensão viva e pulsante das nossas vidas, quais outros questionamentos pautaremos para fortalecer nossa imberbe democracia?  Além de melhor mobilidade urbana o que mais exigiremos como alicerce para a construção de uma sociedade menos desigual?

Quer descobrir? Inspiremo-nos em Ferris Bueller: #VamosPraRua

#AlexRolimEscreveÀsQuintas