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estou só e isso é vasto

quanto ao tempo, acostumei-me com a idéia de que ele come um pedaço da minha roupa todos os dias, e que em breve estarei nua, a alma exposta feito roupa no varal, com o sol devastando o linho, os nós e exalando o cheiro de sabão em pó

roupa nova não compro faz tempo, vivo com este vestido vermelho-sangue, puído puído, mas que foi herança dos idos em que podia pular do galho do pé de araçá para o de siriguela sem me preocupar com o tombo

hoje de tombo corro léguas, aliás, correr já não me pertence. Corro, sim, dentro da cabeça, encho o mundo de pequenas estripulias enquanto dou uma pitada nesta maldita cigarrilha que já não me sai da boca

uso a mesma roupa porque encolhi, encolhi bastante, fiquei encurvada, e o vestido coube nessa pele sobre o osso, essa maltrapilha pele que em outros tempos – ah, coisa sem quê nem pra quê esse tal de tempo – fez a alegria de rapazes e garotas

estou só, não tenho varanda, tenho paredes e uma janela do lado da televisão, gosto de rádio, de tomar miojo e falar com minha filha sobre os cuidados que ela deve ter com os homens, isso quando ela me visita, porque já deve fazer uns cinco meses que não aparece aquela ingrata

enquanto isso, enquanto a vida brinca comigo, penso que estar só traz alguma satisfação porque sobra espaço de monte para pensar, gosto de pensar, e escrever duas linhas de alguma coisa enquanto o frio da noite não vem em rajadas

danço balé com as horas e degusto essa fumaça podre enquanto seu lobo não vem

Carmezim escreve às quartas-feiras

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