Segunda-feira, 11 de março de 2013. Após pouco tempo de espera, é a minha vez. Entro e sou convidado a sentar-me, o que faço prontamente enquanto observo o ambiente branco gelo, bastante asséptico – não poderia ser diferente tratando-se de um consultório. O médico examina a papelada disposta de forma avulsa na bancada à sua frente, enquanto tica com a caneta os resultados dos exames que analisa. O aspecto é sério, óculos inclinado sobre o osso nasal, silêncio perturbador até que uma voz grave irrompe minha contemplação:

– Há quanto tempo o senhor não faz algum exercício regular?

-Uns cinco anos. Parei a única atividade física lúdica que praticava, que era jogar bola.

-Hum…

A interjeição daquele senhor de jaleco branco incomodou-me de tal forma, que senti um arrepio gélido pelo espinhaço. Logo ele me explicou que o sedentarismo, associado aos péssimos hábitos alimentares, fizeram com que os valores de GAMA GT, TGO, TGP, COLESTEROL e TRIGLICERÍDEOS apresentassem valor acima do aceitável. Se meus exames fossem um boletim escolar, eu estaria clamorosamente reprovado.

Então quando ele encostou o estetoscópio em meu peito e pediu para respirasse fundo e repetisse TRINTA E TRÊS, me senti tal qual o paciente do poema ‘Pneumotórax’ de Manuel Bandeira, e resignado balbuciei:

– A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.

[Põe um vinil de Astor Piazzolla na radiola, enfermeira]

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Terça-feira, 12 de março de 2013. A Secretária de Segurança Pública do Estado da Bahia, briosa instituição que zela pelo bem-estar e integridade física de seus concidadãos, disponibiliza uma cartilha para orientar possíveis vítimas como agir em caso de assalto [uma probabilidade cada vez mais impendente, a julgar pelos índices de violência no estado] e chama atenção o sexto item, que reproduzo abaixo:

“Carregue um pouco de dinheiro (para satisfazer o ladrão), mas poucos cartões”.

O trecho dos cartões carece de melhorias, inspirado no pastor que está no âmago de uma crise institucional no congresso –  “doou o cartão, mas não doou a senha, aí não vale. Depois vai pedir o milagre pra Deus, Deus não vai dar e vai dizer que Deus é ruim”. Acrescentaria deixar a senha junto ao cartão. Quanto às cédulas, que estejam trocadas, sem estarem amassadas, rasgadas ou coladas com fita adesiva transparente. Afinal, deve ser bastante irritante roubar dinheiro farrapo.

[Sobe o som. Augustín Magaldi para embalar a falência da segurança na Bahia]

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Quarta-feira, 13 de março 2013. Chego ao posto da operadora de telefonia móvel que utilizo desde 1997, disposto a reabilitar um novo cartão SIM, já que o anterior pifara sem motivo aparente. Prestes a solicitar a senha de atendimento sou interpelado pela atendente do local:

-Senhor, qual o serviço que solicitará?

-Preciso habilitar um novo chip para meu aparelho.

-O senhor já possui número?

-Sim, é apenas para habilitar um novo chip, o antigo pifou.

-Desculpe, mas não será possível. O sistema está inoperante.

-Outra vez?! Das últimas quatro vezes que precisei vir aqui, em três o sistema estava inoperante. Como faço para ter meu número operacional novamente?

– Lamento, mas não poderemos estar fazendo nada pelo senhor.

[Juro que ouvi Carlos Gardel interpretando ‘Esta noche me emborracho’ no sistema de som da loja]

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Enfim, após 13 dias de Sé Vacante, o LXXVI conclave designou o cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio como o novo papa, tendo este optado pelo nome de Francisco.  Para assumir uma igreja envolta em escândalos sexuais, tramoia de bastidores, acusações de crimes financeiros e anacronicamente assentada nesta era, foi escolhido um papa jesuíta de perfil mais humilde, pastoral, menos arraigado à imponência da Cúria Romana. Por outro lado, já espocam rótulos de conservadorismo e graves acusações de colaboração com a ditadura argentina nos anos 70.

A escolha, portanto, não poderia ser mais tempestiva. Caso o Sumo Pontífice que veio “quase do fim do mundo” não logre êxito em sua tarefa de restaurar a temperança institucional da Igreja Católica, já temos a trilha sonora para embalar o malogro apostólico.

Nessa hora, vos garanto, um tango argentino à palo seco, na Capela Sistina, cairá bem melhor que um blues.

Alex Rolim escreve às quintas