Se existisse currículo amoroso, eu não iria me dar com o tanto de gente alegando expertise em língua estrangeira nesta cidade do São Salvador.

Pra não dizerem que sou do tipo que faz generalizações grosseiras, não afirmo que todo soteropolitano já flertou com turista de fora do país, mas, ó, se você quiser arranjar uma paquera gringa, conseguirá mais rápido do que cruzar o Iguatemi de carro às seis da tarde.

Não tem barreira linguística que impeça. Nesta terra, onde se faz banquete com o pouco que se tem, até um salut, how are you?, um que saúde, hein, guapa? lançado na entonação certa, nas areias do Porto da Barra, resolve o lado de quem quer ficar do lado daquela francesa bonita, daquele australiano saradão.

À parte o gosto pelo arerê intercultural e a lei de oferta que nos oferece amor importado com mais boa vontade que a moça do tira-gosto no corredor do Bompreço, é curioso notar que pegar gringo dá status. Saca aquele bróder ali, todo empertigado, a passear com sua turista, o braço sobre os ombros dela. Pire aí na expressão de vitória que ele carrega; repare na mirada em plongée que ele devolve à gente.

Com as mulheres não é diferente. Quem nunca viu uma menina daqui alisando a pança ou tanquinho do seu gringo, enquanto o Praça da Sé não vem? Não pude notar ainda foi se, entre as moças, rola o sorriso de campeã; sempre me distraio com o êxtase no rosto deles, geralmente figuras made in Europe, a vermelhidão da pele frita no sol e marinada na caninha do afeto.

Sabe aquela história de que metade da graça de um affair está em contar pros outros? É assim no mercado de amores importados. O cara pegou a gringa? A galera não quer nem saber o nome da moça, o que ela faz etc. Para isso servem os clichês e estereótipos nacionais. Tá valendo é comemorar o feito; mais ou menos assim:

Man, peguei uma holandesa neste fim de semana!

— Zorra! Venha de lá, sacana! Brocou! E aí, véi, a mulé era muito doida, né? Amsterdã, drogas, pá…

Se você ainda não entrou na brincadeira, porque não sabe brincar, relaxe seu bigode, amigo leitor. Sim, eu falo exclusivamente com você, meu bróder — quem é o homem que tem algo a ensinar d’arte da conquista às mulheres? Eis a qual é de mesma:

A estratégia ideal é trazer à tona o seu espírito nagô, o soteropolitano da propaganda da Bahiatursa. Sem essa de mostrar como você é cosmopolita, viajado, conhecedor das artes estranjas. Baianidade, barão! Baianidade! Eu mesmo passo a adorar a muvuca carnavalesca; transformo meus dois meses de capoeira, do início da adolescência, em anos e anos de gostoso paranauê; e digo que quarta só uso vermelho e sexta só uso branco (eu sempre esqueço as cores dos outros dias; não importa, invento na hora). Não tem erro, pai.

Periga só um amigo gaiato sacar a sua e resolver empatar o baba. Que nem uma vez em que levei uma intercambista polonesa num show na Escadaria da Igreja do Passo — lugar legal, mas nunca havia ido —, dei de cara com um bróder, e ele soltou:

— Oxente, você por aqui? Que surpresa!

— Que onda é essa, rapaz? Eu venho aqui sempre!

— Sempre que é 30 de fevereiro, que eu tô ligado.

Minha gringa, afiada no portunhol, olhou para mim cabreira. Eu não lhe havia dito, agorinha mesmo, o quanto eu adorava aquela festa? Não havia até me enveredado, cheio de segundas intenções, por uma análise da nossa alma barroca, do nosso eterno dilema espiritual, por ter Deus no coração e o diabo no quadril?

Tive de aplicar o baianês de nível superior, para dar meu aviso:

— Se prante, muzenza! Deixe de osadia pá meu lado e não me queime não, que eu tô aqui num esquema massa e se eu perder a paradinha eu vou lhe picá-la, a porra, vu?

O bróder murmurou umas desculpas e, rapidinho, deixou a gente em paz. No que a gringa pergunta:

— Que vocês han falado?

— Nada, não, nega. Eu perguntei de um local pra comer depois do show, e ele me deu a dica de uma maniçoba decente aqui perto, no Dois de Julho — respondi, passando o braço por sobre os ombros da polaquinha e me empertigando todo. Oxe, se não!

Breno Fernandes escreve às segundas, quinzenalmente.