Tenho visto muita gente boa [gente boa mesmo, do bem] desdenhando do dia da Consciência Negra – mais conhecido como HOJE, aniversário do martírio de Zumbi dos Palmares – com o argumento de que incentivar tal acontecimento é reforçar nossa condição de minoria [ainda somos minoria, negritude?] oprimida e vitimizada, portanto, que tal júbilo seria uma forma enviesada de racismo – tanto nosso para com os outros grupos não destacados, como com a própria comunidade negra partindo da lógica que aceitar tal diferenciação seria assumir uma pressuposta condição inferior por necessitar de reconhecimento por nosso legado.
Tanta gente pensa de tal forma que um rápido vídeo de Morgan Freeman sobre a questão, tornou-se viral em redes sociais. Admiro Freeman, para mim o melhor intérprete de Deus até hoje, mas assim como Clint [parceiro dele nos clássicos Os Imperdoáveis e Menina de Ouro] no episódio da cadeira vazia, acho que o eterno motorista de Miss Daisy derrapou na curva. O que não é nada demais, ídolos existem para isso mesmo, para nos expor diariamente à controversa falibilidade humana. Sobre a questão do dia/mês da consciência negra há em minha opinião um erro interpretativo nesse raciocínio, especialmente no contexto brasileiro, porque despreza algumas questões:
1) A importância desse dia é muito mais pela reparação histórica que pela luta racial. Negros foram escravizados e sua cultura ainda é vista como inferior por essa condição. Ações como a celebração de hoje reconfiguram o papel do negro na nossa formação como pilar sustentador e não apenas como contribuição absorvida;
2) A história é escrita pelos colonizadores. Exaltar Zumbi, Cipriano Barata, Mala Abubaker, João Cândido, Maria Filipa é recolocá-los no papel que lhes é devido. De protagonistas de seu tempo. Enquanto nosso sistema educacional não estiver totalmente reestruturado, datas como hoje são essenciais nesse processo;
3) Celebrar o Dia da Consciência Negra é externar o orgulho pela contribuição de um povo que foi arrancado de seu lar, escravizado brutalmente, subjugado culturalmente, flagelado em seus costumes, perseguido em suas crenças e – ainda assim – tornou-se uma parte essencial na nossa mestiçagem. Não importa se você se considera negro ou não, exaltar o dia 20 de novembro é muito mais que uma picuinha entre etnias, cútis, cabelos, beiços e herança genótipa. É reconhecer a contribuição desse povo que trouxe sua força para trabalhar e nos deixou alegria de viver e gana para lutar.
Para quem ainda acha um despropósito o feriado de hoje, eu suplico: Alforrie seu coração e lembre da canção de Gil e Salomão: “A felicidade do negro é uma felicidade guerreira!”
Alex Rolim escreve excepcionalmente nesta terça-feira
6 comentários
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novembro 20, 2012 6:44 pm às 18:44
Igor Soriano
Feriado, Alex?! Aonde?! Aí na Bahia?! Kkkkkkkkk
novembro 20, 2012 6:54 pm às 18:54
Igor Soriano
Considero ultrajante não ser feriado na Bahia…e aí questiono o verdadeiro sentido da Consciência Negra e da tal reparação que vc aborda no seu texto…será que há falhas na declaração do ídolo ou apenas é um ponto de vista diferente do seu?! Pq o tal ídolo citado nem sabe do tal feriado aqui no Brasil mas em tempo ele diz que a história dos negros é a história da América universalizando para algo bem maior que apenas a tal “reparação”…é apenas um outro contexto!!! Absurdo termos feriado em São Paulo, por exemplo e aí este dia passar despercebido!!!
novembro 21, 2012 11:29 am às 11:29
Tatiana Mendonça
talvez vc tenha certa razão “momentânea”, mas freeman tem a “atemporal”. se tivermos que passar por uma para alcançar a outra, tudo bem pra mim :)
novembro 22, 2012 3:26 pm às 15:26
Alex Rolim
O depoimento de Freeman na íntegra é sensacional. Pena que poucos assistiram e se detiveram apenas naquele trecho, editado porcamente para servir ao propósito de desmerecer o dia da Consciência Negra. Também sonho com um tempo em que não precisaremos de certas datas, Tati. Mas acho que ainda não passamos de fase ;)
novembro 22, 2012 3:49 pm às 15:49
Tatiana Mendonça
mas sabe o que me mata um pouco? essa lógica persecutória de que o vídeo foi editado com a finalidade de “desmerecer o dia da Consciência Negra”. não é possível considerar a hipótese de que alguém simplesmente concordou com ele e resolveu destacar esse trecho por conta disso? essa coisa unilateral do movimento negro (não estou dizendo que é seu caso) me irrita muitas vezes.
novembro 22, 2012 10:00 pm às 22:00
Alex Rolim
Não é meu caso mesmo, se há um movimento que poucas vezes concordo com as ações é o Movimento Negro [em especial o daqui da SSA]. Perseguição ou não, o fato é que o trecho do vídeo foi destacado num momento oportuno para ressaltar um ponto de vista específico – desse sim eu discordo – que procurei rebater com argumentos. O uso da edição do vídeo é legítimo sem dúvida, só achei inadequado pela descontextualização.