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A presença física não é substituível. É a lei não escrita pelos pais da ciência, nem relembrada em palestras ou na revisão do cursinho, provavelmente porque não pensaram que um dia iríamos desafiá-la tão descaradamente.

É, no entanto, uma das leis naturais mais perseguidas na cronologia das sociedades ocidentais. Mas como regra imutável, escrita num bloco de concreto que sobreviverá até ao Planeta dos Macacos, a lei da presença física sempre ri por último. Ela já ria quando as viagens de barco se tornaram rápidas o suficiente para que se dissesse: “Vai passar voando!” e se passaria pelo menos um mês entre a ida e a volta.

E ri ainda hoje quando acreditamos que a chamada no Skype, o chat diário, o whatsapp sempre ligado em telefones com abrangência interplanetária nos substituirão. “Mas a presença física não é substituível”, reza a lei que conforma boa parte das outras, mais conhecidas e menos contestadas.

Até contornável pode ser a ausência física, admite o firmamento, ponderam os buracos negros e a anti-matéria que, mesmo sem a certeza de sua própria fisicalidade, sabe que nesse mato tem que ter um coelho. Substituível, jamais.

Em um mês no barco – caso se tenha que atravessar um oceano – engravida-se. Bebês vão do primeiro passo a uma maratona completa até as pernas dos pais. Vírus atacam e vão embora. Epidemias se espalham. Casamentos fracassam.

Em oito horas, o tempo em que se dorme entre uma vídeo-chamada e outra na janela dos fusos horários, começa uma nevasca, passa uma tempestade, morrem entes queridos de uma piora repentina.

Nos poucos minutos que duraria um teletransporte (que ninguém pense que seria questão de milésimos transportar um corpo humano por grandes distâncias. E as malas?) dá-se um último suspiro, um primeiro sorriso, fala-se coisas irrepetíveis, lança-se um último olhar e contrai-se um amor à primeira vista. O viajante sempre perde o que perde, não importa o quanto possa ter ganho.

Vem daí, em última instância, a sua insatisfação, a ocasional tristeza, o estrangeirismo eterno. Esteja onde estiver, o viajante sempre estará perdendo alguma coisa. Na maioria das vezes é uma perda administrável. De vez em quando, não. E é o esforço de distanciar-se minimamente dos lugares onde não se está – porque é impossível voltar a tempo – o que mais dói. O viajante nunca volta. Ele nunca estará lá.

É outra destas leis naturais ingênua e descaradamente desafiadas pelos barcos, os aviões, os telégrafos, as câmeras embutidas: não é possível estar em dois lugares ao mesmo tempo. A lei da impossibilidade que proíbe, mas também conforta.

Camilla Costa escreve aos sábados.

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