Com um cachorro seu pedia comida em frente à igreja, se fosse para dois. Uma criança que passava agarrou-se na mãe implorando permissão para levá-lo pra casa – o bicho, evidente, não o velho. Pedagogicamente, a mulher fez com que atentasse à sujeira, de modo que não houve insistências.
O velho esperava dar o horário da missa para começar sua pregação, já esquecido da fome, e do frio, mas não do cachorro, que mantinha à vista. Com jeito de gente de estudo que enlouqueceu, era sempre do mesmo modo que desatava a falar. Queiram saber, homens, ainda não estivesse ninguém olhando, não se sabe por irrelevância ou estratégia. Por cima da pressa e do desaviso, vez e outra alguém parava para escutar.
Sem altear a voz para não se cansar e mantendo por princípio um tom monocórdio, explicava como nasceu o universo e os planetas e a vida para depois de muito tempo chegar às gentes, essa poeira encardida de grandezas, dentre as quais a petulância de um conhecimento desejoso de vencer a morte. Emendava então com capítulo ainda mais longo, a ordem cronológica do pensamento humano, que incluía filósofos, físicos e místicos, quando já estavam os fiéis a deixar a missa e purificadas esmolas.
Quando terminou a reza o único homem que o ouvia quis ir embora, mas não sabia mais onde estava. O velho caminhou até ele, tocou seu ombro e repetiu por três vezes tudo encontrará seu exato oposto.
Tatiana Mendonça escreve às sextas
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