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Acho graça que tenha existido de verdade uma família de nobres chamada Sabugosa. Achava que Sabugosa fosse mesmo um sabugo de milho, o visconde de Sabugosa, do Sítio do Pica-pau Amarelo; e morreria acreditando tratar-se de originalíssima piada fonética inventada por Monteiro Lobato.
Pois o primeiro de uma linhagem de condes de Sabugosa chamou-se, ao que indica uma apuração primária, Vasco Fernandes César de Meneses. Viveu entre 1673 e 1741, tendo sido vice-rei do Brasil entre 1720 e 1735.
Falo disso hoje porque li outro dia que, já naquela época, o conde de Sabugosa notara certo traço festeiro e indolente do povo baiano.
Interessantíssima, muito embora de validade passível de justa contestação (afinal, é um nobre falando de sua plebe), tal caracterização não desmonta aquela argumentação sobre o mito da preguiça associado ao baiano. Transcrevo, a propósito, um trecho das páginas 140 e 141 de “O Povoamento da Cidade do Salvador”, de Thales de Azevedo, que refere Sabugosa e outros, e diz assim:
A gente bahiana, observaria o conde de Sabugosa, era de índole bôa, branda e ordeira, fácil de conduzir, porém muito amante de festanças; com um divertimento gastavam todos facilmente o que possuiam, despreocupados do dia seguinte, alheios ao espírito de economia e poupança. O comum do povo, diria Vilhena, era serem todos ociosos, não trabalhando a maior parte dos artífices enquanto lhes durasse o comer, muito embora fossem em extremo habilidosos. Homens e mulheres deixavam crescer de maneira extraordinária a unha do polegar ou indicador, cortada em ponta, e que lhes servia para desfiar fumo, tocar violão e como prova de vida ociosa, ‘o que nesta região é excelente recomendação’, comentava Lindley em 1803. Convenientes e folgazões, os brancos que não tinham empregos públicos, os mulatos fôrros e os negros libertos, não se dignavam a trabalhar; preferiam assentar praça nos diversos corpos de tropa de linha ou nas milícias urbanas, o que não lhes impedia de, ao mesmo tempo, negociar. A cidade enxameiava de vadios, ao passo que a lavoura de mantimentos caía em decadência por falta de braços. Os vadios constituiam, aliás, uma como profissão (…)
Divertido o detalhe sobre a unha grande do dedão para tocar violão – prova de que a Bahia ensaiou muito antes de dar um Caymmi. Muito significativo o “não trabalhando a maior parte dos artífices enquanto lhes durasse o comer” – prova de que o ethos do trabalhar para viver sempre prevaleceu ante o viver para trabalhar, dando porém ao ócio seu devido lastro. Massageia-nos o ego o “muito embora fossem em extremo habilidosos”. E o apelo da vida militar em detrimento do empreendedorismo também é digno de nota.
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Também o pai do conde de Sabugosa, Luiz Cesar de Menezes, fora governador-geral do Brasil, entre 1705 e 1710. Já naqueles anos, grassava a faceirice das mulheres da Bahia por seu charme e poder de atrair os ditos homens de família da colônia. Não era raro muitos deixarem suas casas para amancebarem-se com elas, ao ponto de preocupar el-rei D. João V, que resolveu proibir por decreto aquela bazófia, conforme carta de 1709 em que diz assim:
Luiz Cesar de Menezes, Amigo. Eu El Rei vos envio muito saudar. Havendo visto a representação que me fizeram os oficiais da Câmara dessa Cidade sôbre a soltura com que as escravas e escravos costumam viver e trajar nas minhas Conquistas Ultramarinas, andando de noite e incitando com os seus trajes lascivos aos homens. Me pareceu ordenar-vos façais com que se guarde a ordenação pelo que toca aos que andam de noite. E como a experiência tinha mostrado que dos trajes que usam as escravas se seguem muitas ofensas contra nosso Senhor. Vos ordeno não consintais que as escravas usem de nenhuma maneira de sedas, nem de telas, nem de ouro, para que assim se lhes tire a ocasião de poderem incitar para os pecados com os adornos custosos de que se vestem: e esta minha Lei façais executar em tôdas as Capitanias de vossa jurisdição (…)
O governador-geral respondeu dizendo que daria cumprimento ao decreto.
Acontece que algumas leis, no Brasil, desde aquela época, não pegam de jeito nenhum.
Ricardo Sangiovanni escreve aos domingos