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Trato de resistir cada dia a tornar-me um cínico a mais, mas confesso que já não faço esforço para entender os pormenores e os porquês dos conchavos políticos que se usa fazer no Brasil.

Igualmente cansei-me de perguntar oh meu deus, onde é que isso tudo vai parar, quando alguma aliança dessas dessas bem obscenas (calibre Lula-Maluf, ou DEM-Movimento Negro) se insinuam nas páginas dos jornais.

Ultimamente, tenho invertido a polaridade da pergunta e querido saber é de onde diabos isso tudo vem.

De modo que hoje proponho retrocedermos até 1539 – corrijam-me, historiadores – ano em que identifico a primeira aliança política feita neste Brasil varonil.

Pois foi naquele ano que Diogo Álvares Correia, o Caramuru mais famoso que em nossas praias já aportara, então já há bem uns quase 30 anos vivendo em abundância entre os tupinambás, acordou mútuo apoio com o primeiro donatário baiano, Francisco Pereira Coutinho – homem cujos modos gentis impuseram-lhe a alcunha de Rusticão.

Porque o Rusticão, recém-chegado à Bahia por primeira vez – vindo de Portugal aliás longos dois anos após ter-lhe sido outorgada por el-rei a capitania da Bahia de Todos os Santos – , necessitava de alguém que lhe mostrasse o caminho das pedras e, de quebra, mediasse as relações com os tupinambás, donos de fato da terra.

O Caramuru então, num gesto de sobrevivência ou de má-fé, não sei bem, aceitou a missão, e os portugas tiveram as portas por assim dizer abertas por aqui.

Muito bem.

Ocorre que na tropa de Pereira Coutinho vieram degredados, mercenários, homicidas, clérigos de pouquíssima fé e todo tipo de criaturas abomináveis daqueles Portugais, fazendo as vezes de povoadores.

Ocorre ademais que ao Rusticão, além da fidalguia, faltava também o tino para a administração e o comando.

Resultou, como era de se esperar, que os colonos portugueses se portassem como as feras que eram, habituando-se a depor o gentio de suas terras, a estuprar mulheres, a escravizar homens e ao que demais nossa imaginação alcance.

Tamanha foi a má reputação que construíram, que nem a aliança com Caramuru salvou a trupe do Rusticão. De maneira que, coisa de cinco, seis anos depois, Pereira Coutinho e os seus foram postos literalmente para correr da Vila Velha, ancestral da Cidade do Salvador que houve ali entre o Porto e o Farol da Barra. Exilaram-se, amofinados, na capitania de Porto Seguro.

Caramuru então costurou, junto aos tupinambás, um acordo de paz que permitiria o retorno do Rusticão e dos seus à capitania da Bahia de Todos os Santos. Sela-se o acordo e, em 1548, eis que a banda podre retorna.

Só que, no final da viagem, as duas naus que os traziam de regresso naufragam na baía, e o Rusticão e os seus terminam devorados (exatamente: comidos) pelos tupinambás. Só quem se salva? O danado do Caramuru.

Não me abandona a ideia de que o suposto acordo de paz não passou de uma farsa arquitetada pelos índios – farsa da qual o Caramuru não teve outra escolha senão aceitar ser partícipe, sob risco de vir a ser ele mesmo o devorado.

Talvez algum dia ainda me atreva a reconstituir, dentro dos limites de minha ficção, o excitante convescote entre caciques tupinambás que selou o destino do Rusticão e de sua Vila Velha. Devem ter dito assim ao Caramuru: ou tu fecha com nós, ou nós caba com tu.

Que sábios eram nossos ancestrais índios, preocupados não apenas em expulsar, senão antes em extirpar, e pela raiz, tais ervas daninhas. O êxito imediato da comilança de carne branca (será tenra? será fibrosa?) não evitou futuros males maiores – em 1549, retornariam os portugas, agora mais fortes, mais escolados, para fundar enfim a Cidade do Salvador.

Guardemos, porém, o exemplo ancestral: às vezes, é preciso ser mais tupinambá com esses caras.

Ricardo Sangiovanni escreve aos domingos

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