Sai tu da roda que a ginga não tá pra minino, não.

Quando Macarinho disse isso, eu fiquei receoso. A roda de capoeira fervia, todo o calor dos corpos misturando-se com o frescor que a noite trazia, o berimbau gritando camará e um clima de desafio montado como uma cortina. Naquela noite Macarinho ia resolver a pendenga da vida dele. Eu, mesmo menino de tudo, sabia que tinha a ver com Clotilde, mulata de responsa, motivo muito mesmo pra neguinho brigar e se acabar. Êita, Clotilde!

Ê ê, volta do mundo, camará!

O coro ia afinado. Macarinho mostrava o peito largo, a pele morena, o cordão amarrando a calça branca. Tinha no olhar o convite para resolver a contenda em ritmo de berimbau, atabaque e um pandeiro de couro. Capoeira podia ser dança, sim, mas era a luta que Macarinho estava invocando. Na outra banda da roda, Júlio respondia a convocação também com o olhar. De quem Clotilde seria?

O pontapé do capoeira é um pedaço de pau!

Júlio entrou pra jogar primeiro. Não foi com Macarinho. Puxou um outro cidadão pra esquentar, deu martelo, meia-lua de costas, exibia o repertório, intimidava. A tensão entre os pretendentes crescia, o bagulho estava pra virar preto no branco. Macarinho interrompeu a jogada. Esticou o braço no meio da dança, demarcou o fim daquela luta, queria entrar no sistema.

Ao pé do berimbau os dois se agacharam. Macarinho riscou o chão com a mão, no sinal da cruz. Júlio tocou os dedos na testa, depois no chão, beijou a ponta do indicador e do maior-de-todos. Se olhavam, mediam a força um do outro, pediam suas proteções, iam começar a colocar a vida em jogo na roda. Tudo tinha um aura de decisão. Tinha gosto de amor.

Macarinho mostrou o meio da roda para Júlio. Era um “pode ir”, o meio da roda era o meio do mundo. Júlio correu e rodopiou no ar. Esperava Macarinho.

E foi lindo. Foi compasso, sintonia. Era um quase-que-pega, um alinhavar de golpes, era uma luta pelo amor. E nenhum dos rodopios vitimou-os. Nenhum rabo de arraia derrubou-os. Foi plástica, foi poesia, foi salvação para a alma.

Daí então, ficou para Clotildes decidir. E ela nem estava presente pra ver a música dos corpos. Ficou com Macarinho porque ele foi no outro dia levar orquídeas pra ela.

Carmezim escreve às quartas-feiras