Reunião de pauta. Editor repete o mantra, ar sarcástico e sorriso de canto:

– Jornal precisa ter sexo e violência! É isso que o povo quer!

O ano não lembro com exatidão, tampouco o local, mas a expressão de incredulidade de algumas jovens e bonitas (adjetivo desnecessário para a narrativa ser mais deleitosa para a memória) repórteres diante da assertiva ficou gravada nas minhas reminescências. Parecia que haviam visto a manga chupando o cão. Pudera, eram em maioria jovens jornalistas em formação com todo aquele imberbe complexo de Clark Kent.

A afirmação era uma síntese do espírito provocador e jocoso do saudoso PROVÍNCIA DA BAHIA, o tabloide mais independente e irônico que já circulou pelos becos sujos e degradados da Cidade de São Salvador. Metia o dedo na ferida e incomodava porque abria as chagas não cicatrizadas de alguns próceres desta eterna capitania.

Mas o objetivo do editor era mesmo esse: Chocar. E, lógico, chamar a atenção para o fato que a patuleia em geral quer mesmo é ver sangue. E jornal precisa de repercussão. O Província, entretanto era muito mais que isso. A independência que possuía permitia esmiuçar os bastidores palacianos como nenhum veículo tinha coragem.

Apesar dessa linha editorial arrojada – ou talvez por isso -, o Província acabou sucumbindo às forças do atraso que já iniciavam a dominação que, tudo indica, açoitará os descendentes de Caramuru por séculos inglórios.

E se a estória  história não foi exatamente assim, dane-se! Quando a lenda vira um fato, publique-se a lenda. E todo esse preâmbulo de pouco valor – o indispensável Nariz de Cera – foi para atentar-vos para a seguinte verdade Murphiana:  Nada do que você tem lido ou assistido é tão ruim que não possa piorar.

Sim, porque o escandaloso vídeo da repórter loura que escarnece o acusado negro – sim, faço questão de acentuar a cor, tal fato não deve ser ignorado – mostrou que o rei não apenas está nu, como aparenta ser da prosápia do jegue. Programas com essa mescla de humorismo chulo e reportagem vexaminatória infestam as telas baianas, mas foi preciso uma repercussão nacional para nos causar incômodo.

E eu nem escreveria sobre isso, afinal gente melhor intencionada  e mais capacitada já discorreu sobre o tema. Mas a matéria do jornal de maior circulação da cidade, o popular Asteriscão*, me obrigou voltar à baila. E pior.Trazê-los comigo.

A primeira vista pode parecer uma matéria emocionante, com um tom piegas que busca suavizar a brutalidade de um incidente fatal. Releia. Leia de novo. E, mais importante: Questione se toda essa pantomina, com fotos, detalhes e testemunhos arraigados de afetação era realmente necessária. Outro ponto: Porque explorar tanto sofrimento, detalhar minimamente o calvário alheio?

Repercussão. Audiência. Shownarlismo. Jornalismo cão. 

O caminho para o sucesso não precisa estar traçado no rastro da humilhação e exposição da miséria alheia. O jornalismo não pode se pautar por essas premissas. Se não podemos salvar o mundo como o repórter Kent, deveríamos nos lembrar do fotógrafo Parker do Clarim Diário:

– Grandes poderes exigem grandes responsabilidades.

Muitas vezes para ser herói, basta ser humano.

                                                                                                                                                                              Alex Rolim escreve aos sábados