na frente de casa passa um trem
ele come os ferros dos trilhos e deles se alimenta, deixando pra trás a montanha, furando o espaço entre o que estava lá-do-outro-lado até o meu coração derretido à espera
para os outros faz barulho. Para mim, sonata
não traz pessoa além do maquinista
costumo acompanhar com a cabeça a passagem dos vagões, irmãos gêmeos uns dos outros, acizentados, mais ricos uns, que trazem ouro, mais pobres outros, cheios de brita
sei que sou menino de tudo, dois olhos vidrados no que virá, e por isso tanto me maltratam com minha sina de sempre ver o trem passando passando passando
falam das minhas canelas meladas de barro e da minha má educação por prestar atenção na máquina que sempre passa na hora da missa
mas se até o padre faz silêncio para o trem passar? Por que não eu?
aprendi a sorrir porque vi que o trem vai para algum lugar que eu também posso ir, para além da curva da encosta da queda
e aprendi a ser saudade
são trinta e tantos segundos pra passar, dependendo do peso. Foi o maquinista que me disse
quando vejo o último vagão, teimo em não deixar a lágrima cair porque seria besta demais chorar toda vez que passa o trem.
mas bem que ele podia passar pra sempre, sem acabar
daria voltas dentro do espaço onde vivo meus dias de menino e ficaria brilhando só quando passasse na minha porta. Só na minha
sua música iria andando de rua em rua e eu seria o dono da cidade porque só eu, com a minha canela seca e melada, barriga estufada, menino de tudo, sei o segredo do trem que nunca, nunca, para
Carmezim escreve às quartas-feiras
2 comentários
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maio 21, 2012 10:25 am às 10:25
Romulo Osthues
Porra, vei. Assim vc me mata. Ifenável, Inefável, Inveláfel.
maio 23, 2012 12:57 pm às 12:57
Carmezim
Rs! Beijos, Rominho!