A revista Lapham’s Quarterly é o lugar onde vamos para ouvir os ecos históricos do nosso noticiário, das nossas maravilhas e das nossas burradas como sociedade.  E também as pessoas que, muito antes de nós, já tratavam das mesmas questões, angústias e deslumbramentos.

Pois na seção “Vozes no tempo”, da edição mais nova da revista, está um trecho que pode ser de um livro ou de uma carta, ou mesmo ser o texto inteiro, escrito por alguém no meio do Oceano Atlântico em algum momento no ano de 1725.

“Meu mestre costumava ler orações em público para a tripulação do navio todo sábado, e quando eu o vi ler pela primeira vez, eu nunca estive tão surpreso na minha vida como quando eu vi o livro falar com meu mestre, porque eu achei que falou, enquanto eu o observei olhar para o livro e mover os lábios. Eu quis que ele também falasse comigo. Assim que meu mestre acabou de ler, eu o segui ao lugar onde ele colocava o livro, com extremo prazer, e quando ninguém me via, eu o abri e coloquei minha orelha muito perto dele, com a esperança de que ele dissesse algo para mim; Mas eu fiquei muito triste e decepcionado quando descobri que ele não falaria. Esse pensamento veio imediatamente para mim, que tudo e todos me desprezavam porque eu era negro.”

Li esse texto há três dias e continuei pensando nele até hoje, porque nele, de fato, uma voz de longe – mas não a que eu esperava – fala sobre muitas situações que excluem as pessoas de muitos círculos (dos que leem, dos que rezam, dos que trabalham, dos que tem direitos) por muitas razões diferentes e, em alguns casos, por todas elas.

O pensamento que atingiu esse homem em 1725, sua experiência do mundo, é simples e desconcertante agora, como – assim espero – serão também a maioria dos relatos que, com o passar do tempo, nos obrigarão a refletir sobre o tipo de diferenciação entre as pessoas que já toleramos no passado, quando este passado já não for hoje.

Hoje, Dia Internacional Contra a Homofobia – como vocês sabem – vi uma nota sobre um menino de 9 anos dos Estados Unidos, que pediu à mãe para fazer uma intervenção em um protesto anti-gay por onde passou. Ao lado de um cartaz que dizia “Deus odeia bichas”, ele posou para uma foto com um cartaz de caderno que dizia “Deus não odeia ninguém”. O homem no Oceano Atlântico também gostaria dessa resposta, me parece.

(Aqui o trecho original na revista e aqui, a nota sobre o menino)

Camilla Costa escreve às quintas-feiras.