O Purgatório hoje convida o confrade Maurício Couri. Diego Damasceno, titular das terças, volta na semana que vem.
No Peso
A Felipe Campos
No peso.
É assim que me vendo,
No equilíbrio da balança:
De um lado eu, do outro eu mesmo
(Mesmo assim, o peso é outro)
Peso mais, ou menos um pouco,
Quando carrego o sofrimento
Que é meu e do mundo todo
(É na dor, não no gozo, que nos fazemos)
x
Peça a peça, ponto a ponto, medo a medo,
Vou me somando: um átomo, um átimo, um segundo
E vou mais fundo: um quinto, um oitavo, um terço
Até que me perco:
Sobram os pêlos na costura do pijama
Uma lembrança, um desejo, uma cama,
Um ideal que escorre pelos dedos.
x
Tudo isso é perigoso, mas bacana:
Viver à flor da pele me incita
A buscar a tinta dos papiros que escrevo
Ora em banto, ora em latim,
Ora em grego, se não me engano.
Mas me engano quase sempre:
Só não se engana quem não sente
Ou quem não sente que se engana.
No final, passou o ano
E tudo continua o mesmo:
Para poucos o céu dos muçulmanos,
Para outros a chama do tormento.
x
Protágoras usou o homem como régua
Na geometria euclideana do pensamento.
Mas, como já disse com fé cega, não me meço
E, por isso, não sirvo de medida.
Comigo, é só no peso e na ferida,
E isso é tudo que lhe peço.
Não se fie no meu preço,
Pois o preço é um artista:
Um pão vale mais do que uma revista
Para quem, na ausência de comida e berço,
Sente o tempo passar na barriga.
Sábio foi Epicuro, que, em vida,
Afirmou que a fome mata o começo.
x
Meu amigo, é simples o que defendo:
Tudo é no peso e no bom senso.
Se, de um lado, o dom de Midas,
E, do outro, o alimento
Não há balança que nos diga
Que o último vale menos.
x
E se alguém ousar provar
O contrário do que digo
Com precisão matemática,
Direi: “Escuta aqui, canalha.
Conheço bem as falácias
Do método pseudo-dedutivo.”
E isso é o que basta ser dito
Para toda essa gentalha,
Que busca, com o apoio de alguns livros,
Fazer de homens menos que dinheiro.
x
É, amigo, o ser humano é um perigo,
Muito mais do que a navalha,
Pois não é esta a que batalha,
Não é esta a que mata ao inimigo.
Espero haver-me feito entendido,
Espero que este poema de algo valha,
Pois, se não, é melhor nem ter vivido.
Deixe um comentário
Comments feed for this article