Desde que assumi o posto de cronista oficial dos sábados neste Purgatório de idéias, é a primeira vez que me cabe a tarefa de encerrar não apenas a semana – o dia da preguiça, do descanso almejado até pelo Lorde Criador – mas também o mês, essa fatia duodecimal do ano gregoriano.
Pode parecer nada, e é bem provável que nada seja, mas gente besta como eu procura significado em tudo para tirar daí algum sumo de importância. Como tem sido bastante agradável para mim a tarefa de vos aborrecer semanalmente com meu bolodório infecundo, achei o mote profícuo para compartir com o pequeno (porém afável) séquito que vagueia nestas bandas.
E se o mês que bate à porta foi classificado por T.S. Eliot no seu clássico poema The Waste Land como “o mais cruel dos meses”, o que dizer deste empedernido calhamaço de dias que hoje se encerra? Sequer cito nominalmente a data que vejo agora na folhinha – daquelas que trazem lembranças de quando todos os dias pareciam noites – para não atrair mau agouro, porém este março findo nos deixou empobrecidos, aqui no inferno que conhecemos.
Pobres sem a inteligência mordaz de Millôr, tão escassa nos dias de hoje. Pobres sem o humor genuinamente brasileiro de Chico Anysio, um morto que leva consigo dezenas de vidas, figuras que aprendemos a admirar e que nos ensinaram que o riso não precisa ser bobo para ter graça, mas precisa de graça para ser riso sem ser bobo. E tristes com o afastamento definitivo do sambista Ederaldo Gentil, talento de uma geração de sambistas baianos que não encontra eco – nem herança – na música atual.
Aprendi a admirar os sambas de Ederaldo por herança paterna, nas rodas de samba da Sete Portas. Belas melodias e um quê de melancolia bastante peculiar, não daquelas de afligir a alma, mas aquela “tristeza que balança/E a tristeza tem sempre uma esperança / De um dia não ser mais triste não” (Saravá, mestre Vinícius!).
Letrista refinado poeticamente, Ederaldo compôs preciosidades do cancioneiro como “O ouro e a madeira”, “Identidade”, “Luandê” e muitas outras que foram gravadas por bambas da MPB como Jair Rodrigues, Clara Nunes, João Nogueira e Paulo César Pinheiro. A sensibilidade com que tratava temas sociais e casuais é algo raro de encontrar em qualquer gênero musical.
Enquanto Millôr e Chico lutaram bravamente por suas vidas, Ederaldo foi deixando esse plano de forma mais lenta, porém brutal. Acometido por uma espécie de desgosto transmutado em síndrome do pânico, auto-exilado em sua própria cidade, distante até mesmo das poucas, e justas, homenagens que vez ou outra lhe concediam. Afastado dos parceiros musicais experimentou, ainda vivo, uma morte aflitiva, tribulenta, desaparecendo sem sumir, esvaindo sem perecer.
“Marca mais hora o relógio do que há no dia
E o pior do silêncio é a agonia
A gente espera até quando o corpo cansa
E depois se embala no belo sonho da esperança”
Sinto um aprazível conforto enquanto ouço a linda “Espera”, parceria com o igualmente genial Batatinha.
E se o lúgubre março chega ao fim, Ederaldo segue através de seus belos sambas dotados de uma singela tristeza.
Uma tristeza Gentil.
Alex Rolim escreve aos sábados
1 comentário
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abril 28, 2012 5:03 am às 5:03
Adeus malandragem « O Purgatório
[…] minhas referências começam a desencarnar – Omnes una manet nox, diria Horácio – e, novamente, rascunharei um panegírico a um dos bons que partiram desse Vale de Lágrimas: O velhaco Dicró, o […]