Quando aconteceu a última greve de policiais em Salvador, diante dos assaltos, arrastões e muitas mortes que aconteceram na cidade, os jornais estamparam durante os dez dias em que ela durou, manchetes com palavras como terror, guerra, pânico. O sentimento nas ruas era de tensão, talvez medo, mas as pessoas em sua maioria estavam levando suas vidas de maneira quase normal, diferente do escândalo alarde que faziam os periódicos. Enquanto isso, o Oriente Médio seguia com seus meros conflitos armados.
O critério jornalístico de proximidade tem seu peso, mas as palavras também têm os seus, e eles precisam ser bem medidos para não torná-las banais. Quando a guerra chegar por aqui, que nome darão a ela para vender mais jornais? Mas deixemos por ora os interesses pecuniários de lado e pensemos em algo que tem se enraizado nos corações e mentes de todas as gentes, donas ou não de bodegas de secos-e-molhados.
Em criança, se eu dizia que adorava alguma coisa, sempre tinha um adulto para me repreender e dizer que “só se adora a Deus”. Diziam tanto, que logo os guris repreendiam uns aos outros. Foi assim que aprendi que as palavras são fortes e têm significados precisos. Então, só era permitido gostar de chocolate. O resto era blasfêmia, quiçá afetação.
Pensei nisso porque vejo, e me flagro também, por aí, na socialização em rede, especialmente, a usar palavras como gênio, genial, máximo, com incômoda frequência. Mas o que mais me preocupa é o uso indiscriminado do substantivo amor e a conjugação exaustiva do verbo amar. Love is a many splendored thing. Love lifts us up where we belong. All we need is love. Então, pra que gastá-lo com o vídeo do Para Nossa Alegria, com a foto de um gatinho ou outra dessas coisas a que se destina as internetes?
Falando em utilidades para a internet, existia uma comunidade no Orkut que se chamava “Pela banalização do champanhe”. A proposta era tomá-lo sempre, na alegria ou na tristeza. Reflito agora sobre a aplicabilidade da campanha para o amor. Será mais nobre ao espírito humano amar tudo e todos como mandam os evangelhos, tornando assim o mundo um lugar mais cheio de amor, ou é mais prudente reservarmos o sentimento para ocasiões realmente especiais?
Antes de responder a essa questão, há que se considerar um modus vivendi muito irritante conhecido como fofismo. Ele permite que mocinhas – e por que não rapazes? – transformem tudo que os cerca em um grande e amável cupcake. Segundo essa filosofia, tudo é “muito amor”. Acho engraçado que o Papa sempre condena coisas óbvias como a corrupção e a pedofilia, mas nunca condena o cupcakização do cotidiano.
Porém, mais preocupante que o fofismo é a carga de ironia que há em todo esse amor oferecido de forma banal. A fruição de grande parte da cultura pop que brota da internet hoje passa pela ironia, que é uma forma de ver o mundo muito válida, porém, banalizada. Com ela, dá para amar toda sorte de coisas trash que há por aí.
Claro, assim a vida se torna muito divertida. Mas, com isso, acho que vamos perder os parâmetros do que é realmente bom, genial ou digno de amor e vamos nos tornar apenas cínicos. Alguns dizem que o mundo vai acabar em fogo, outros em água. Tenho para mim que vai acabar em amor.
Pedro Fernandes é o convidado especial desta quinta.
2 comentários
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março 29, 2012 9:19 am às 9:19
Camilla Costa
Não facilite com a palavra amor.
março 29, 2012 1:38 pm às 13:38
Breno Fernandes
Lembrou-me de um sermão de Padre Vieira:
“(…) na questão de se o mundo é mais digno de riso ou de pranto, e se à vista do mesmo mundo tem mais razão quem ri, como ria Demócrito, ou quem chora, como chorava Heráclito, eu, para defender, como sou obrigado, a parte do pranto, confessarei uma coisa e direi outra. Confesso que a primeira propriedade do racional é o risível: e digo que a maior impropriedade da razão é o riso. O riso é o final do racional, o pranto é o uso da razão. (…)
Mas se Demócrito era um homem tão grande entre os homens e um filósofo tão sábio, e se não só via este mundo, mas tantos mundos, como ria? Poderá dizer-se que ele ria não deste nosso mundo, mas daqueles seus mundos.
E com razão, porque a matéria de que eram compostos os seus mundos imaginados, toda era de riso. É certo, porém, que ele ria neste mundo e que se ria deste mundo. Como, pois, se ria ou podia rir-se Demócrito do mesmo mundo ou das mesmas coisas que via e chorava Heráclito? A mim,senhores, mo parece que Demócrito não ria, mas que Demócrito e Heráclito ambos choravam, cada um ao seu modo.
Que Demócrito não risse, eu o provo. Demócrito ria sempre: logo não ria. A consequência parece difícil e evidente.O riso, como dizem todos os filósofos, nasce da novidade e da admiração, e cessando a novidade ou a admiração, cessa também o riso; o como Demócrito se ria dos ordinários desconcertos do mundo, o que é ordinário e se vê sempre, não pode causar admiração nem novidade; segue-se que nunca ria,rindo sempre, pois não havia matéria que motivasse o riso”