Entre as diversas cousas que gostaria de compreender nas pessoas a principal, certamente, é a necessidade que elas possuem de tentar interpretar os outros. Sim, essa é a palavra: Interpretar. Como se fôssemos textos, sonhos ou poemas, torna-se necessário procurar um significado, escondido ou não, em cada ato ou em cada passo. Breve interstício: Decerto que nem todos os textos, sonhos ou poemas tem significado. Esse parágrafo, por exemplo, não possui sequer reles coerência.

E se existe algo então que me deixa irritadiço é justamente o questionamento acerca da acepção das minhas atitudes. Se desisto de sair, é porque estou chateado. Caso resolva cantarolar no chuveiro, certamente estou feliz. Certa vez fui interpelado por um “superior hierárquico” em antigo emprego, que me alertou para que alterasse o meu jeito de andar, pois – segundo suas palavras – passava uma ideia de indolência que não era bem aceita naquele ambiente de trabalho.

Ah… Qual o quê!

Ou seja, baseado em pressupostos primários de programação neurolinguística, o aprendiz exegeta do comportamento alheio classificou o meu pé “dez para as duas” e minha malemolência interiorana como um sinal divino de negligência com o labor diário ou… Sei lá o quê!

Se toda ação possui realmente um propósito e o comportamento é meramente reflexivo e intencional como explicar o mau humor pelo qual fui acometido essa semana? Ironicamente uma amiga sugeriu TPM – biologicamente impossível – e seria bem melhor que fosse, afinal, após as paredes uterinas se esvaírem em sangue o controle hormonal volta ao equilíbrio. Mas sempre desconfiei que TPM e inferno astral fossem apenas muletas que apoiam distúrbios de outra natureza.

Atravessar mais de três décadas nesta vida não tem sido obsequioso. A idade, se traz experiência e alguma lucidez, é uma cruzada que exige uma labuta diuturna com as tipificações, classificações, enquadramentos. Bem melhor mesmo é aceitar, sem controvérsias, o horóscopo vespertino.

O mais plausível é que esteja eu envelhecendo precocemente. A celeridade deste processo é geometricamente proporcional à decrepitude da Cidade da Bahia. Amo Salvador, mas sinto por ela o misto de desdém e desejo de quando observo de soslaio as piriguetes que infestam as festas do circuito local. Já me disseram que vou sempre aos mesmos lugares – e isto não me incomoda – pois sempre são lugares que me remetem à minha Salvador, a cidade que me encantou e acolheu na adolescência.

Outra amiga, após temporada na Europa, danou-se a escarafunchar os defeitos da Soterópolis nas redes sociais. A princípio me incomodei um pouco, parecia leviandade de alguém que se julgava mais civilizada por ter conhecido outra perspectiva durante a viagem. Refleti e ponderei que de fato ela estava certa. Tornou-se recorrente a falta de solicitude, afabilidade e bons modos pelas ruas da capital. O mito do baiano cordial, arquetipado além do aceitável, não passa de um arremedo perdido no “mangue” que virou a cidade. Irascibilidade gorjeia aos quatro cantos, do alcaide apaixonado à subcelebridade deslumbrada.

E mesmo com esse compêndio lamurioso, não consegui explicar o que, de fato, tem me causado tanto azedume. Pode ser tudo que citei, ou nada do que imagino. O certo é que me sinto bem melhor após ter-me penintenciado a vocês. Quaresma é tempo de reflexão, e estando hoje entre o dia nacional e o dia mundial da poesia, o ato de contrição tomo emprestado de trecho do livro do Desassossego de Pessoa:

“…Para todos nós descerá a noite e chegará a diligência.
Gozo a brisa que me dão e a alma que me deram para gozá-la, e não interrogo mais nem procuro.
Se o que deixar escrito no livro dos viajantes puder, relido um dia por outros, entretê-los também na passagem, será bem. Se não o lerem, nem se entretiverem, será bem também”.

Pois o coração – nessas horas – se pudesse pensar, pararia.

                                                                    Alex Rolim escreve aos sábados