Anos depois das aulas de literatura e interpretação de texto ficou claro que Manuel Bandeira não estava simplesmente imaginando uma Pasárgada ideal. Ele estava era sentindo falta de lá. Algo que só se entende ao reconhecer pasargadenses espalhados por aí, que deixaram suas cidades para outras, especialmente  as maiores.

A nova cidade oferece oportunidades, enche os olhos. Sabemos que ela nos custa um pouco, que as coisas serão mais difíceis e nos dizemos que isso não vai nos vencer. Mas não importa o quanto jovens, educados e versados nas dificuldades do mundo moderno sejamos. O que dói mesmo é quando a cidade joga na nossa cara que lá não somos ninguém.

O pesadelo do retirante esclarecido, como hei de chamá-lo daqui por diante – já que falo de um problema muito distante da necessidade dos reais retirantes -, é a concretização da visão distópica da cidade como um lugar onde não todos, mas nós, somos números.

Viemos de onde nossos colegas nos conhecem pelo nome, nossos pais são conhecidos, temos “tios e tias” espalhados em todos os cantos. É duro não ser ninguém (importante) de repente. E custa admitir que a raiz das nossas implicâncias com a nova vida é mais esta do que uma elaboração ponderada e racional sobre prós e contras de cada lugar.

Quando a mágoa aperta, a nova cidade vira uma enganação, um lugar onde nada que é importante é bom para nós. É exatamente o que Manuel Bandeira devia estar sentindo quando disse:

“Vou-me embora pra Pasárgada/Lá sou amigo do rei/Lá tenho a mulher que eu quero/Na cama que escolherei”

Pasárgada não é lugar que não existe, mas um que ele conhece muito bem. É o lugar de onde ele veio que, com todos os seus problemas, ganha novo brilho à luz da distância, da saudade, das decepções.

Lá a existência é uma aventura, diz Bandeira. E relembra passeios, rios, amigos, histórias. A vida é mais movimentada em Pasárgada, a vida é melhor. Exagerando um pouquinho, a cidade ganha até mesmo a disputa da modernidade, da tecnologia de ponta, das opções de lazer.

“Em Pasárgada tem tudo/É outra civilização/Tem um processo seguro/De impedir a concepção/Tem telefone automático/Tem alcalóide à vontade/Tem prostitutas bonitas/Para a gente namorar”.

Na vida real as Pasárgadas de cada um têm, sim, coisas melhores do que em qualquer outro lugar. Seja porque elas são melhores mesmo, seja porque são melhores especialmente para nós, que somos amigos do rei. E algum dia, quem sabe, voltaremos para algum desses lugares onde fomos felizes e ficaremos por lá, porque descobriremos que era o nosso lugar.

Na vida real também, as visitas às nossas Pasárgadas são poucas, corridas e cheias de saudades. São bonitas e pouco reais. E quando se alongam, mostram quase sempre que algo já foi perdido dentro de nós (ou fora) e Pasárgada está melhor como um refúgio do que como cotidiano.

Ela existe e não existe, é real e é de mentira. Esse “vou-me embora pra Pasárgada” é o mimimi do emigrante de classe média/alta e é também, e sempre, uma saudade verdadeira.

Camilla Costa escreve nesta quinta-feira de sua Pasárgada pessoal.