A língua e a linguagem mudam com o passar do tempo e disso todo mundo sabe. Interessante, no entanto, é presenciar como a criatividade faz com que determinadas palavras assumam – sem perder o significado original – uma aura mágica, engraçada, mesmo bonita, espelho do que o homem é capaz de fazer para se comunicar, respeitando ou não a norma que a Língua Portuguesa impõe.

Quando seu Antônio, camisa de botão surrada, queimada do sol, pousou o braço sobre a janela de mármore do cartório onde trabalho, queria saber se só tratava ali de título eleitoral ou também de CPF. O diálogo, no entanto, ganhou ares de mágica.

– Aqui vocês mexem só com tito, é?
– Hein?
– Só com tito que vocês mexem?
– Sim, Seu João. Só com título.
– Ah, porque o que eu queria mesmo era assustar meu CPF. Deu zebra lá no Correio.

Tito, pensei, era o apelido de um cara que conheci há anos atrás. Por mágica, veio aparecer na minha conversa com Antônio. E o cartório ainda andava “mexendo” com ele. Já “assustar” o CPF bem que podia ser possível, né não? Ô! CPF clonado anda dando susto em tanta gente! Coisinha pra dar trabalho: só me lembra a declaração do Imposto de Renda. Sem falar que pra cadastrar em qualquer coisa é “RG e CPF”. Ia ser bom assustar (ao invés de sustar) o CPF vez ou outra.

Em outra feita, Dona Aurinda, depois de receber o Título Eleitoral, me perguntou se podia emplascar. Acho emplascar mais legal do que plastificar. Cê não acha, não? E xéris, não é muito mais sonoro, mais português, do que Xerox? Vamos abrasileirar!

Já Vilma percebeu que ficou faltando um detalhe ao terminar de assinar o próprio nome no formulário:

– Pera, deix’eu pingar o i.

E pronto, o i estava “pingado”. As palavras ganham mágica e os seus sentidos, vez ou outra, também. Quando perguntei a Dona Isaurina se era ela casada ou solteira na hora de preencher a ficha com dados pessoais, ela respondeu prontamente:

– Não, nós somos à parte. Não deu certo, né, meu filho? Nós somos à parte.

À parte um do outro. A separação de Dona Isaurina é um coelho tirado da cartola.

Carmezim escreve às quartas