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Em 2003, quando Gus Van Sant lançou o filme “Elephant”, circulou essa lenda de que ele havia assim nomeado o filme por conta de uma parábola hindu (ou budista, como saber?) sobre seis cegos que encontram um elefante à beira de uma estrada e discutem suas teorias sobre o que é aquele animal, com base no pouco que haviam conseguido perceber dele.
Mas o diretor fez questão de esclarecer que o título foi escolhido porque o tema sobre o qual o filme se debruçava – adolescentes que realizaram um massacre em uma escola – era “tão facilmente ignorado como um elefante em uma sala de estar”.
Continuo gostando mais da versão da fábula dos cegos, especialmente depois de ter assistido a “Precisamos falar sobre Kevin”, na última semana.
O tema é um destes sobre os quais falamos pouco e mal, mas é provavelmente um dos mais desconcertantes. Se no caso da(s) tragédia(s) americana(s) já nos foi difícil comentar, mais ainda foi o incidente em uma escola no Realengo, no Rio de Janeiro, onde as teorias mais estapafúrdias sugeriram até razões religiosas, mostrando que os preconceitos infundados das sociedades que criticamos também são o caminho mais fácil para nós.
Depois do massacre de Columbine, nos Estados Unidos, filmes como “Tiros em Columbine” e “Elephant” tentaram, de alguma maneira, discutir a questão. Em “Tiros”, Michael Moore encena uma discussão que termina por julgar a sociedade americana pela responsabilidade de ter criado jovens capazes de tais crimes. É uma visão apaixonada e assertiva da situação, uma teoria, que busca – um pouco desesperadamente – a legitimidade para explicar o problema.
Já “Elephant”, parece tentar nos colocar dentro da vida de adolescentes que, segundo Gus Van Sant, podem ser capazes de um massacre. É um filme menos teorizante e tentativamente mais compreensivo, que parece querer dizer que todos aqueles jovens, os atiradores e os alvejados, são vítimas de algo que ainda não sabemos o que é, mas são vítimas.
“Precisamos falar sobre Kevin” (baseado em um livro homônimo), conduzido sob o ponto de vista de uma mãe que tem um filho responsável pelo massacre em sua escola, é um filme forte, duro e extremamente delicado porque, ao invés de negar as outras abordagens do tema, abraça todas elas.
A perplexidade, a busca por uma razão genética ou psicológica, pela má influência dos pais, por falhas na educação, por patologias sociais. Todas as hipóteses estão lá, porque todas passam pelo processo de compreensão da família para a qual nunca olhamos, que é aquela de onde veio o adolescente que comete o crime.
Parte das pessoas que irão ver esse filme se concentrarão no próprio Kevin, que, desde pequeno, parece apresentar sinais de sociopatia e, frequentemente, do que queremos chamar de maldade. Mas o importante aqui é a sua mãe, Eva, a relação de temor, repressão e permissividade que ela constrói com a personalidade do filho durante toda a vida dele e – depois do massacre – com a culpa dele e a parcela que ela considera sua sem entender exatamente o porquê. Por causa da sua posição na história, ela é forçada a enfrentar o que nós não queremos: o fato de que ela enxerga o elefante, mas não sabe o que fazer com ele.
Camilla Costa escreve às quintas-feiras