‘En Comala comprendí
que al lugar donde has sido feliz
no debieras tratar de volver’
Joaquín Sabina

 

A cidade que eu conheci há dez anos não existe mais. Em realidade ela nunca existiu a não ser para mim e para um grupo de pessoas, os que me ajudaram a construí-la – eu também ajudei, cada um deles, a construir a sua. Minha cidade deixou de existir quando tive que ir embora. Sobraram as lembranças…

As ruas não têm nome e as referências são os nossos lugares.
Cruzando a linha do trem mora Suzana. Ali, bem em frente àquela praça, vive Jon, e um pouco mais para lá, rumo ao cinema, é a casa do Robert.

Nesta avenida grande, com árvores no meio, está o apartamento das italianas Federica, Francesca e Elisa. Riccardo mora na quadra de trás. No outro extremo da avenida começa a parte antiga, com um passeio bonito, o pátio da catedral e a rua dos bares.

Na outra direção, seguindo essa rua está o fim, está a universidade. Virando a esquerda, três quadras para baixo, é onde eu moro. Logo depois está o rio, onde costumamos tomar sol, fazer pic nic e jogar futebol.

Suzana, pelo que sei, foi a única que se atreveu a voltar. Não voltou à cidade que construímos, – porque essa não existe mais – mas à que sempre existiu antes de nós e continuou existindo depois. Conta que foi um misto de sentimentos estranhos. As lembranças boas ganharam vida, mas diz que a sensação de vazio também era grande e dolorosa.

Agora chegou a minha vez de mexer nos porões essas memórias. Jon ainda mora na cidade, na mesma casa. Com ele vou tentar reconstruir um pouco daquela cidade que levantei e depois, contra a minha vontade, tive que abandonar.

Nesta segunda-feira, enquanto este relato estiver no ar, eu estarei andando pelas ruas da cidade. Vou de trem, mas não cruzarei a linha, porque Suzana já não vive mais ali.

Ricardo Viel escreve às segundas