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– Aí eu matava dois coelhos com uma caixa d’água só.
– Não é caixa d’água, animal. É cajadada.
– Pra mim não tem diferença, se os dois morrerem, tá valendo.
O plano era enrolar a velha na hora de fechamento da loja de conserto de sapatos. Geralmente conserto de sapato é feito por senhores, mas a loja era comandada por uma sapateira. Geni. O fiel escudeiro de Geni era Marujo, um jovem de cabelo cheio, enrolado, sempre com cara de fumado.
– Não sou muito de música, não, mas lembra daquela que fala pra jogar bosta na Geni? Eu dormi pensando naquela coisa, naquela imagem, imagine só. Que viagem. Acho que a música é de Peninha.
– De Peninha é aquela que o cara fica sozinho, no silêncio da noite. Você devia pensar era em como a gente vai tapear a velhota, e não ficar aí pensando em caixa d’água e merda. Ela é espertinha.
– Posso utilizar da minha fama de galã. Deve ter tempo que a coroa não se enrosca com alguém.
– Mequéu, se ligue, não é uma coroa, não, bróder. É uma velha, idosa, com direito àquelas vagas reservadas de estacionamento e tudo.
Lugano ia no volante. Mequéu no carona, pensando no primeiro roubo da vida, o assalto à sapataria da Rua do Maquinista. Tinham passado três meses avaliando os grandessíssimos riscos do assalto. A possibilidade de Marujo ser lutador de jiu-jítsu, ter porte de arma, de a velha ter uma escopeta debaixo do balcão.
– Eu podia pegar a cola de sapateiro, ou cola de sapateira, empurrar no rosto dela até ela desmaiar. Mas se ela ficar doidona ao invés de apagar?
– Minha Nossa Senhora dos Ladrões Desapegados!
– Essa eu não conheço.
– Cê não conhece nada, ainda nem é ladrão de verdade.
– Tá, e você é?!
– Já roubei fone de orelhão.
O plano estava desenhado num papel de pão. Quarta-feira, vinte e dois minutos faltando para as dezoito horas eles entrariam na sapataria dizendo que gostariam de consertar um all star que tinha perdido a sola de borracha e tal e coisa. Mequéu olharia rapidinho o ambiente, renderia Marujo com o trinta e oito e Lugano anunciaria o assalto. Levariam toda a grana da loja da Rua do Maquinista. Na saída, entrariam no Corcel 73, e dariam no pé. Se tudo desse certo, comemorariam no boteco do Barbudo.
Mequéu não cabia em si de orgulho de carregar um trinta e oito e ter um plano de assalto. Transbordou e quis inovar. Entrou primeiro na sapataria, fechou a porta atrás de si depois que Lugano entrou. Virou a plaquinha, colocou o “Fechado”. Isso estava nos planos. Daí não se conteve.
– Tem aparelho de DVD aqui, Dona Geni?
– Boa tarde, jovem, mas aqui é uma loja de conserto de sapatos se você não está vendo. Só consertamos sapatos.
Nos fundos, Lugano já rendera Marujo. Tinham trocado os papéis, por insistência de Mequéu.
– Certo que só conserta sapato, dona Geni, mas a senhora sabia que tem uma música de Peninha, digo, de Chico Buarque, que fala de uma tal Geni, que salvou uma cidade inteira? Sabe como foi que ela conseguiu essa proeza? Tenho tanta vontade contar essa história pra alguém que se chama Geni! Geni e o Zepel…
Não completou a frase. Até de longe, no início da Rua do Maquinista, ouviu-se o estrondo da escopeta. Nos fundos, Lugano já estava completamente imobilizado por uma perfeita chave-de-braço.
Carmezim escreve às quartas