A divulgação do primeiro excerto do Guia Moderno Do Flerte e Outras Marotices, semana passada, alterou drasticamente a rotina deste escriba: Milhares de pedidos por novas pílulas da obra incompleta chegam através de fax, cartas e telégrafos ao Consulado Iraraense que também funciona como anexo da redação do Purgatório. Tenho sido abordado nas ruas, bares e festas por pessoas que suplicam por conselhos e recomendações sobre como devem agir diante do labirinto pantanoso que é a arte do reconhecimento, conquista e desapego do ideário amoroso.
Ocorreu-me de montar uma banquinha em algum ponto estratégico do centro da cidade e tomar nota das principais dúvidas da plebe neste quesito, esclarecendo os pontos que eu julgasse de fácil resolução. Desisti. Não queria ser acusado de charlatanismo, tampouco posar de Herculano Quintanilha dos inuptos. Seria também uma quebra de método, afinal todas as conjecturas apinhadas no guia devem ser observadas de forma prática, no campo de batalha, fugindo do silogismo inerente à simples reflexão de relatos embebidos de absortividade. Decidi não enveredar por becos subjetivos.
Entretanto, não poderia ignorar as súplicas dos leitores. Tomado pelo espírito Amelie Poulin de ajudar o próximo, e utilizando o método Xou da Xuxa de seleção diante da ocasionalidade do universo, escarafunchei e atirei repetidas vezes ao alto as cartas que abarrotam a minha mesa de trabalho, até que uma ficasse presa ao lustre, em um sinal claríssimo de intervenção fenomenológica Heiddegeriana.
Resumidamente, a carta trazia à baila a seguinte questão: “Ela quer dormir de conchinha, e eu acho desconfortável. O que eu faço?”
Não é que você ache desconfortável dormir de conchinha, amigo. É que na escala descomodidade de posições importunas, dormir de conchinha – para o homem – só é superada por tocar violino dentro da mala de um fusca. Dormir no banco de um aeroporto, por exemplo, é centenas de vezes mais agradável.
Não existe, anatomicamente falando, como posicionar corretamente o braço por baixo da moça sem ter que amputá-lo pela manhã. É difícil respirar com um tufo de cabelo na cara, e o calor que assola 95% das noites soteropolitanas não é um convite à proximidade dos corpos por horas seguidas.
Há quem creia que esta posição não é incômoda. Meu amigo-irmão Gildemar jura que é a melhor forma de dormir acompanhado. Mas ele usa crocs, e isso desqualifica a opinião dele.
Dormir de conchinha é apenas o primeiro pequeno conflito que precisará ser negociado. Toda relação é pautada por um conjunto (in)finito de armistícios. Ela quer dormir de conchinha para se sentir protegida, acalentada. Há de se convir que não é a forma de dormir abraçados que definirá isto.
Se você suprir a carência dela com atenção, respeito, mimos e outras mumunhas, ela entenderá o porquê de você não dormir de conchinha com ela. Sim, é uma bobagem, mas é um bom início para pôr em prática sua técnica de negociação. Melhor que passar a noite em claro, ou dormir mal, apenas para agradá-la. Ela entenderá seu ponto de vista.
Afinal, o amor parece ser bem como definiu a patroa de Amelie Poulin: Duas pessoas que acreditam que se gostam e as circunstâncias exatas para que isso aconteça.
Ou seja: Não tem nada a ver com dormir de conchinha.
Alex Rolim responde cartas às quintas
1 comentário
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maio 2, 2014 11:38 am às 11:38
O amor nos tempos da conchinha | Iraraense
[…] Texto originalmente publicado em O Purgatório […]