Para a dona Laura
No sábado, encontrei com minha avó na rua. Fazia mais de um ano que não a via.
Eu ia distraído e só percebi sua presença quando já estava a um metro de mim. Vi sua boquinha pequena se abrir e fechar, e rapidamente tirei o fone de ouvido. Como? E ela chegou um pouquinho mais perto e, fazendo um gesto com a mãozinha cheia de rugas, repetiu: queria um “trocadinho” para que tomar um “cafezinho”.
Fiquei confuso, pedi desculpas por não ter nada _ ao mesmo tempo que batia no bolso da bermuda e as moedas me delatavam_ e segui meu caminho. Olhei para trás e vi como ela continuou o seu, com aquele andar vagaroso característico. Ali vai minha avó e nunca mais voltarei a vê-la, pensei.
Pois bem, não era minha avó, porque minha avó morreu há três semanas. Morreu no Brasil, e eu não estive no enterro _saber que alguém se foi é diferente de dizer adeus a esse alguém que se foi.
E quando cruzei com essa outra senhorinha aqui em Lisboa e lhe neguei um trocado, foi como se por fim tivesse me dado conta que minha avó já não existe. Que quando eu voltar ela não estará, e que morrer é não estar mais, nunca mais, a não ser nas lembranças.
E agora, quando chego a casa e decido por escrever este texto, percebo que perdi a oportunidade de me despedir da minha avó. Tinha que ter convidado aquela senhora para tomar um café, escutá-la, contar um pouco da minha vida, e no final despedir-me com um abraço e um beijo. Talvez assim tivesse também me despedido da dona Laura, que por enquanto só sei que está morta porque me disseram, e só saberei realmente que é verdade quando eu voltar a sua casa e ela não estiver. Nunca mais.
Ricardo Viel escreve às segundas
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