Em 1969, Jorge Amado, no documentário “Bahia por exemplo”, de Rex Schindler, diz assim:
Eu acho que a Bahia é uma dessas raras cidades que são feitas à medida do homem, cidades para o homem viver. Não sei por quanto tempo isso ainda perdurará. A Bahia está começando a crescer, e é importante que ela cresça – mas é importante que ela não cresça mal.
(Bahia, aqui, é metonímia capitalina para encurtar a “Cidade de Salvador da Bahia de Todos os Santos”.)
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Em 1982, Pierre Fatumbi Verger, no livro “50 anos de Fotografia”, dele mesmo, escreve assim:
Fiz assim várias idas e vindas entre a Bahia e a África. Amo quase igualmente as duas margens do Atlântico, com um pouco mais de ternura, no entanto, pela “Boa Terra da Bahia”. A vida cotidiana aqui ainda me parece cheia de encantos depois de um terço de século de estada.
(Aqui, também, a metonímia.)
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Em 2012, pergunto-me, sem nenhum saudosismo e com palpitante preocupação pelo que virá, numa Bahia que em encantamento cotidiano esforça-se por desmentir o retrato de Verger, se – e o que – será possível fazer para resgatar do ostracismo a desprezada advertência de Amado.
(Nova metonímia: essa pergunta é a que nos fazemos nós todos.)
Ricardo Sangiovanni escreve aos domingos
4 comentários
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setembro 25, 2012 11:58 pm às 23:58
rosanamillimanRosana
Ricardo, quando vocês fazem essas perguntas inteligentes eu não sei o que responder… Posso apenas comentar que recentemente fiquei abismada porque uma turminha de alunos de seus 12-13 anos me afirmou não saber o que era “Candomblé”. Alunos da Acbeu, que frequentam Anchietas e outros educandários (!) de ponta… E que em 15 ou 20 anos serão aqueles a mover as engrenagens desta sociedade a partir do topo.
Ao mesmo tempo, creio que a alma da Bahia é tão poderosa que jamais irá se amofinar. Isto é apenas um sentimento, sem embasamento científico algum, mas é o que percebo na minha vivência nesta cidade – e quem viver, verá.
setembro 26, 2012 12:11 pm às 12:11
Ricardo Sangiovanni
Vixe, Rosa, preocupante. Que eles ainda têm tempo para aprender, não duvido – até porque, às vezes vive-se sob a zona de influência de um bocado de coisas sem nunca porém saber-se-lhes que nome têm. Agora, o que assusta, como você bem diz, é o prognóstico: o problema é que não se enxerga no horizonte a mais remota possibilidade de que essa meninada venha a ficar sabendo o que seja candomblé (ou seja, o que são costumes e histórias que nos formam, nos explicam e até hoje nos cobram ou reverência, ou tributo, ou, pior, seu preço). Esses questionamentos que tenho feito confesso que são fruto de um processo de (re-)educação tardia ao qual me propus quando decidi retornar a morar aqui na cidade. A crença é simples: só através de estudo e informação é que podemos nos apropriar do que nos parece automático/natural, como que tomar posse do que já somos, de nossa identidade e a consequente consciência de que as mesmas coisas/influências que moldam nossas práticas, nossas belezas, também explicam nossas angústias, nossas revoltas, nossas misérias todas.
A Bahia não se amofinará, nunca se amofinou, disso também não duvido, com isso nem me preocupo. O que me pergunto é se desse não-amofinamento não está sobrando apenas a metade que é “brabeza”, se isso não está virando um mero gosto por ser “grosseiro”, “rude” mesmo, sem nada por trás, sem o entendimento do que nos trouxe até aqui e de para onde queremos ir. Me pergunto se não estamos endurecendo demais, em detrimento de nossa ternura, é por aí. Porque só há a firmeza quando o anverso da moeda é a delicadeza – é isso que justifica qualquer luta. Se não, vira tudo só marra pura. Mas enfim: quem viver verá no que isso aqui vai dar :)
setembro 27, 2012 5:27 pm às 17:27
Gabriel
dineiro não é sinônimo de cultura, nem de vivência, apesar do dinheiro pagar coisas muito interessantes!! os colégios particulares são o reduto da ignorância das classes média e alta da cidade! é uma inversão total de valores, e tristemente de valores culturais!! parece que o dinheiro emburrece!!! abços
outubro 4, 2012 8:12 pm às 20:12
Ricardo Sangiovanni
Abraço, velho!