Rapá, não vou te mentir, não, cumpadi, mas não dá certo o cara encher o bucho de dinheiro de uma hora pra outra, não, meu irmão, tu sabe por quê? A cabeça fica enviesada, fica meio assim assim, girando ao contrário da real. Sabe Totonho, da família de Almir, dos Oliveira, Sabiá? Você passou um tempo sem pisar aqui nas redondeza, mas se eu te contar a história cê num vai acreditar, tão surreal que fiperacou a parada, Sabiá! Cê lembra do cara, né, Sabiá? Pois é, bem lembrado, velho, o cara vivia mesmo nos buzu da vida, vendendo CAPA PRA ESCOVA! Era uma conversa tipo “venha logo, venha logo, capa de escova é um real! Quer a azul, a vermelha, tenho rosa” e cê lembra como é que terminava o discurso dele no buzu, Sabiá, e que até virou apelido dele depois? Porra, cê tem uma memória mais ou menos, mermão, ele vinha emendando o discurso de cor das capas e tal e dizia que era pra evitar contágio, veja só, CONTÁGIO!, das muriçocas, baratas, mosquitos aeros egípcius, e rato – agora é que tá a onda – rato KALUNGA! Sabia que você ia lembrar, Sabiá! Totonho Kalunga! Há há há! Então, se ligue na viagem: Totonho Kalunga, vendedor de capa de escova no buzu, tirou um dinheiro aí não se sabe onde, Sabiá, tá todo mundo querendo saber, e de uma hora pra outra começou a dizer que tinha dinheiro pra caralho. Vivia de boca cheia dizendo do dinheiro e chegou a ponto de um dia – aí que foi foda – de colocar um bolo de dinheiro em cima daquela mesa de madeira que a gente fez pra apoiar nas pernas, na medida pro nosso dominó, lembra? Era um bolão, rapeize, nota de cem tudinho! E aí abriu a boca e disse: brodagem, se eu dividisse o dinheiro que tenho pra usar por dia até completar 80 anos, todo dia eu ia poder gastar esse bolo de dinheiro aí, de boa, na maior, brodagem, eu Totonho Kalunga, vendedor de capa de escova, agora tenho isso aí pra gastar TODO DIA. Deu as costas e saiu, Sabiá. A rapeize ficou toda de cara, nem terminamos o dominó. A gente gostava de Kalunga, Sabiá, cê tá ligado disso, mas depois desse esbanjamento, véi, a coisa ficou preta, ninguém mais queria saber dele, mesmo com tanto dinheiro na bucha. Falar nisso, a gente passou a chamar o cara de Totonho Bucha – mas bucha de sena, daquelas que ninguém quer ter na mão quando sabe que a quebrada vai ser pra fechar a partida, sacô? Aí, véi, com tanto dinheiro assim, o cara passou a distribuir a grana na malucagem total. Queria comprar tudo e todos, ofereceu sete mil pelo cachorro de Dona Nuca, passou a pagar pra quem catasse piolho na cabeça dele, coisa de cem reais por bichinho, passou a apostar em todo jogo do Bangu dando três gols pra o adversário, quer dizer, Sabiá, ficou oferecendo dinheiro pra quem quisesse, mas olhe só, todo mundo gosta de dinheiro, quem não gosta, gigante, quem não gosta? mas desse jeito assim, numa coisa meio imbecil, sei lá, enviesou geral. Ele até pegou umas notas de dois reais, ficava da janela com um cano e as notas em formato de funil e assoprando pra fora do cano. Nego olhava e dizia: deve ser dinheiro sujo, mal-lavado, amarrado. Sabe qual é a da maior, Sabiá? Adivinhe? Totonho Kalunga bateu lá em casa um dia desse, pediu uma xícara de farinha pra inteirar um feijão lá que ele tinha cozinhado me chamou, disse que tinha pouco, mas que dava pra um irmão de antigamente, que o dinheiro tinha acabado e coisa e tal, que tava na esteira da procura das amizades. Eu virei pra ele e falei: Caralho, Kalunga, dinheiro é bom mas melhor mermo é bater um dominó cos’amigo, sacana. Deu uma dó dele, Sabiá, deu mermo. O cara que ganha muito dinheiro de uma hora pra outra, Sabá, enviesa geral se não for bom das ideia, assim, que nem eu e tu. Quem sabe um dia nós não tira a sorte grande, né, man?
Carmezim escreve às quartas-feiras
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