Pouca gente sabe, mas eu vivi em Itaguaí. Para maior surpresa ainda, no século XIX. Não apenas vivi como fui recolhido à Casa Verde do Dr. Simão Bacamarte, um dos primeiros hóspedes daquela Casa de Orates*. Até hoje me pergunto se de lá deveria ter saído.
Minha relação com loucura, entretanto, é anterior a esse período. Durante a minha infância/adolescência, em Irará, meu comparte nas desventuras pelo agreste era um primo, 20 anos mais velho, de passado pouco convencional. Passara boa parte da juventude trancado entre o Sanatório São Paulo e o manicômio Ana Nery, e os relatos das visitas que minha vó fez a ele neste período eram mais fascinantes que os gibis da Marvel que lotavam minhas gavetas.
Perambulávamos por todo canto e a despeito do conhecimento que tinha sobre sua condição clínica – vivia à base de remédios e não podia beber – era o familiar que eu achava mais parecido comigo. Tinha alguns tiques e hábitos estranhos – acordar antes do sol raiar era o mais incompreensível para mim – , porém nada muito anormal. Ficava um pouco mais agitado em alguns períodos, especialmente quando se aproximava a data de ir à capital buscar o dinheiro da pensão para comprar remédios.
Os surtos que deixavam minhas tias em polvorosa se resumiam a gastar o dinheiro com mulheres e um ou outro pileque que ele se permitia vez ou outra – a combinação com álcool o deixava, por vezes, transtornado. Tal influência eu carrego até hoje – fosse motivo de internação, não sairia do Instituto Juliano Moreira.
Por isso não me surpreendi quando fui recolhido pelo Alienista. Por isso me senti tão à vontade em Macondo – era quase um Buendía -, por isso trabalhei numa repartição pública com o Palhares, aprendi as canalhices da vida enquanto dividia uma garrafa de vodka com Henry Chinaski e entrei pra Confraria dos Espadas.
Esses desajustes, essa insânia não patológica, é condição sine qua non para criar esses universos. A imaginação não é nada sem a loucura, e apenas lunáticos como Rubem Fonseca podem arquitetar mundos com arestas irregulares e sólidas como um sonho juvenil.
Além de ser obrigatoriamente louco para se tornar escritor, é necessário ser peremptoriamente desajustado para compartir o delírio de outra realidade.
Pois se alguém possui perfeito equilíbrio mental e moral além de todas as qualidades que se costuma enxergar como ideal de lucidez… trata-se de um perfeito mentecapto, como Simão Bacamarte.
E não há loucura maior do que se declarar são.
*Referência ao Conto “O Alienista” de Machado De Assis
Alex Rolim é o novo titular dos sábados
7 comentários
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março 3, 2012 2:28 pm às 14:28
Danilo Fraga
Pow, achei que era sobre Rubinho Barrichelo!
março 4, 2012 11:35 am às 11:35
Alex Rolim
Tóin!
março 5, 2012 1:19 am às 1:19
rosanamilliman
Poxa… não vou resistir a me exibir e divulgar que conheci Rubem Fonseca no ano de 1985, quando morava em Berlim, e ele ficou cheio de amor pra dar à minha juventude de 27 anos. Até hoje ,me acho o máximo por isso.
março 5, 2012 4:39 pm às 16:39
Ricardo Sangiovanni
Como assim? Desenvolva… ;)
março 6, 2012 6:38 pm às 18:38
Alex Rolim
Também fiquei curioso.
março 15, 2012 11:18 am às 11:18
Paula Boaventura
Adorei a reflexão sobre a loucura!
março 15, 2012 10:26 pm às 22:26
Alex Rolim
Bem vinda ao Sanatório Geral, hehe.