Luis Fernando Verissimo é tímido e gosta de se mostrar assim, talvez para que se apiedem dele e parem de uma vez por todas as aporrinhações para que vá a eventos ou dê entrevistas. Parece que nem em casa o escritor fala muito – sua mulher já disse que adora quando ele dá declarações a jornais, porque assim pode saber o que o marido pensa.

E eu que o admirava tanto, nem dei liga ao constrangimento que podia sentir e fui vê-lo numa palestra. Estava na mesa ao lado do jornalista Zuenir Ventura, de quem sempre se faz acompanhar, provavelmente para ver um rosto conhecido quando se sentir aflito. Que alguém tão casmurro escreva coisas tão despretensiosamente divertidas é só mais um dentre os mistérios do universo.

Mas não lembro nada do que Verissimo disse naquela tarde, enquanto um casinho aparentemente chistoso de Zuenir me acompanhará para sempre. Contou ele que uma amiga sua – ou parente distante de reles conhecida, não lembro – tomou-se de tal encanto por Cem anos de solidão que o ficava esfregando no corpo. E teve um momento mesmo em que foi possuída de uma loucura qualquer e passou a copiá-lo inteiro num caderno, na tentativa de entendê-lo melhor. Ou de guardá-lo melhor.

Queria tanto que os livros que amei fizessem parte de mim, da minha pele, e não estivessem só assim desmemoriados em minha cabeça. Para que nunca se perdessem, nunca, nunca. E eu poderia então andar na rua e se visse algo engraçado, olhar para o lado para reparar se Oskar Shell também estava rindo. E quando estivesse triste, Clarice ia dizer mas eu estou tão pior, e isso me consolaria. E se de noite tivesse um pesadelo com velhice, cemitério ou doença, poderia segurar a mão do senhor silva, que teve que ir morar num asilo porque sua laura morreu.

E eu que deveria estar aqui falando de como Salvador está vendida e desamparada, volto para a literatura, que serve para nada, que serve para não servir, que serve para que a gente repentinamente não morra sem nem ao menos ter estado aqui. E penso, e me culpo, e sonho com o dia em que esteja tão iluminada que não queira escrever mais nada, nem sinta precisão de aprisionar a beleza.

Tatiana Mendonça escreve às sextas