Dois carros – uma Belina e uma Kombi. Duas motos. Dois finais de semana de compras de até duzentos reais no Estrela Supermercado. O Bingo da Alegria armara seu circo nas imediações da Fazenda Umburana, depois de ter rodado com os prêmios pela cidade, expondo-os, anunciando em carro de som que a sorte estava por perto.
“Sorte, sorte, sei”, Titico resmungou, as pernas estiradas na cadeira em frente, ele mesmo sentado em uma, cigarro já no final, Odair José no rádio de pilha, “na sua vida eu já sei/ minha importância é só essa/ sou pensão alimentícia/ o resto não lhe interessa”. Quando a comitiva da alegria terminou de passar em frente à porta de casa, Titico levantou, puxou dois reais do bolso da calça feita com saco de farinha, comprou uma cartela. “Quero uma que tenha o 17. Compro de ousado, ganho nunca”.
Titico era diminutivo de Roberto. Já tinha sido Robertinho, Bibinho, Bibico, Toquinho, agora era Titico, já ia bem uns dez anos com esse último. “Ô nome pra me dar trabalho”, costumava resmungar. O que mais gostava, porém, era Robi, alcunha com a qual só Lindinha o chamava. Ele ia no bingo era pra isso: tentar a sorte de reencontrar Lindinha, figura carimbada nos bingos da cidade de Mansão e arredores.
Coisa desgastada virara a relação entre os dois desde quando ela assumira viver na esteira do famigerado grupo do Bingo da Alegria, fazendo papel de animadora, girando aquele globo com bolas numeradas, dizendo sempre que trazia sorte, que era ela a geradora da sorte, que ela era amiga da sorte, sorte, sorte, sorte. Titico sabia que a tal sorte tinha números certos: aqueles que o gerente do negócio desejava. Bolinhas mais pesadas à parte, Titico arrumou o cabelo, não fumou o dia inteiro. Ia esquecendo a cartela, mas lembrou que precisava dela pra poder sentar bem na frente, fingir que estava ali pelo bingo pelos números, pra ganhar um carro e mudar de vida.
– Aaaa Idaaade de Criiiisto! Coloque aí na sua cartela! Três e três!
Lindinha vociferava a bola da vez, alternava entre graves e agudos na voz, Titico suspirava e se perguntava como uma coisinha tão linda daquela tinha virado menina de bingo.
– Essa é de rombo! Preste atenção, de rombo! Dois e zeeero! Vinte na cartela! É pra marcar.
Os prêmios menores saíram rápido. Sobrou a Kombi para o final. Lindinha já tinha percebido a presença de Titico. Era a última chance pra ambos. Ele levaria o prêmio, ela se desculparia. Quando a última bola rolou no pequeno globo e caiu nas mãos de Lindinha, ela já sabia qual era, o castelo de bolas marcadas. Foi a primeira vez que se ouviu um bola cantada com tanta ternura.
– Dezessete.
Enquanto o dono da banca soltava fumaça pelas ventas e não acreditava no que ouvia, Robi gritava feito louco:
– Bingo! Bingo! Bingo!
Carmezim escreve às quartas
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