Foi – qual ironia – na Itália que eu, baiano nascido e criado, vim a saber que Salvador é a última parada, ao sul, da Costa Caribe. Graças à informação de meu professor e amigo Fabio Rodríguez Amaya – cuja visita prometida sigo no aguardo ansioso.

De primeira duvidei, mas o dado parece mesmo ser verdadeiro. Aparece numa crônica de um conterrâneo e amigo famoso de Fabio, o escritor colombiano Gabriel García Márquez: “Essa realidade incrível encontra sua densidade máxima no Caribe, que, a rigor, estende-se (pelo norte) até o sul dos Estados Unidos, e, pelo sul, até o Brasil. Não se imagine que é um delírio expansionista. Não: o Caribe não é apenas uma área geográfica, como certamente crêem os geógrafos, mas uma área cultural muito homogênea”.

N’outro canto, Gabo diz assim: “Na América Latina e no Caribe, os artistas tiveram de inventar pouco, e talvez seu problema seja o contrário: tornar crível sua realidade. Sempre foi assim desde nossas origens históricas, até o ponto em que não há em nossa literatura escritores menos verossímeis e ao mesmo tempo menos apegados à realidade do que os nossos cronistas das Índias. Também eles – para dizer com um lugar-comum insubstituível – perceberam que a realidade ia mais longe do que a imaginação.”

Em sendo verdadeira a fala de García Márquez, a realidade é prova empírica da tese de Fabio.

Pois ultimamente:

1) a primeira-dama da cidade do Salvador subiu ao púlpito da Assembléia Legislativa (ela também é deputada) para anunciar, com deliciosa riqueza de detalhes, o fim do casamento com o alcaide. Revelou, indignada, que foi dele a pulada-de-cerca que decretou a ruína da relação. Altiva, ainda desejou “felicidades ao novo casal”;

Parágrafo único: do prefeito, sobre esse assunto e outros, há tempos não se ouve palavra;

2) o pior seria isso, se apenas isso fosse: dias antes de apelar aos microfones da Casa do Povo, a então primeira-dama antecipara toda a história a veículo de comunicação da Bahia de grandes tiragem e circulação, em entrevista exclusiva convocada pela própria. Decidiu-se porém – pasmem – pela não publicação da entrevista;

3) a justificativa para tal opção estritamente jornalística terá sido, obviamente, falta de espaço na edição. Irrepreensível escolha – afinal, turmas de professoras normalistas andam completando 70 anos de formatura a torto e a direito, de modo que o espaço para notícias de menor relevância anda exíguo;

4) mudando de assunto: Marcos Valério foi preso na Bahia. Enquanto estava na carceragem, um policial saiu para comprar um lanchinho de luxo para ele. “Tudo especulação”, negou a delegada.

5) aliás, falando em polícia, outro dia sentei num boteco ali no Porto da Barra e, de repente, comecei a ouvir um som nas alturas. “Polícia para quem precisa, Polícia para quem precisa de Polícia”, dos Titãs. De onde vinha? Ora se não era do som do carro do PM, com a porta escancarada em frente ao módulo policial, ali onde bate uma brisa, bem de frente pro mar. O meganha, das duas uma: ou não entendeu a música, ou é o policial mais subversivo dessa inverossímil Bahia;

6) para terminar: Cláudia Lei(tt)e pintou-se de preto, depois de branco, e botou na rua uma das fotomontagens mais esdrúxulas que já se viu. Um meu amigo, para quem a moça anda mal-assessorada, disse que “não tem coisa de mais mal gosto do que branco que se pinta de preto”. (“E vice-versa”, acrescento, só para salvá-lo de maus lençóis.)

A lista, para nosso lamento e graça, grassa infinita, bem mais longa do que minha memória ruim. Deixo-lhes com Gabo, desejoso de que o sábado lhes seja grato:

“Nessa encruzilhada do mundo, forjou-se um sentido de liberdade incomparável, uma realidade sem lei nem rei, onde cada um sentiu que era possível o que quisesse sem limites de qualquer espécie: e os bandoleiros amanheciam convertidos em reis, os fugitivos em almirantes, as prostitutas em governadoras. E também o contrário”.

 Ricardo Sangiovanni escreve aos domingos. A crônica de hoje já havia sido publicada ontem, mas permanece no ar neste domingo, por motivo de força maior