*por carla bittencourt

você veio e disse assim: ame a si mesma como se ama um passarinho morto. eu retruquei com aquela estranheza afetada, típica de quem não entende a beleza que existe nos muros de portas acimentadas, nas janelas escancaradas em casarões comidos pelo tempo ou na grama que cresce por dentro dos terrenos baldios.

– passarinho morto? que conversa é essa? – eu querendo tornar o amor uma coisa assim pôr-do-sol, estrela ou nuvem, eu esquecida daquele saco plástico voando por minutos num filme que tem beleza no título.

então você riu com essa candura que usa às vezes para reforçar os anos que nos separam e me explicou que era isso, amar a si mesmo como se ama um passarinho morto era algo de mais bonito que poderia haver.

porque era praticamente impossível ver um bichinho daquele tão pequeno e não pensar ó, que coisa linda. o passarinho morto não desperta o nojo das baratas ou de outros animais esmagados na estrada, você disse, a gente olha pra ele e fica pensando no céu inteiro que lhe pertencia, na liberdade de suas asinhas modorrentas se enchendo de vento. a gente nunca imagina o fim para uma vida daquela, você me ensina.

a morte, naquele caso, é como se fosse um absurdo.

levei o afeto comigo e fiquei lembrando de uma avezinha que enterramos, eu, larissa e marcela, debaixo da árvore no vilage de piatã. eu tinha sete anos e cavei o chão do meu primeiro velório. cobrimos com uma flor a terra onde o bicho foi colocado com alguma cerimônia. acho que voltamos a brincar, mas eu, um pouco entristecida, me fiz quase de viúva, amaldiçoando meninos e badogues.

e agora, que já não preciso entender mais nada, você aparece brilhando dentro de minha caixa de correio e completa o encantamento cheio de sutileza. você me dá a boda espiritual de bandeira, onde, no seu pensamento, eu vivo toda nua, pudica e bela nos seus braços.

carla bittencourt é a convidada especial das sextas de dezembro, durante as férias da titular tatiana mendonça