Muito falamos sobre o ocupação da reitoria da USP e pouco sobre a ocupação da reitoria da Unir (Universidade Federal de Rondônia), que já acontece há 50 dias em Porto Velho, sem PMs, nem blogs acusando roupas de grife, nem comentários preconceituosos sobre o uso de maconha.
Na Unir, há 70 dias, teve início uma greve de estudantes e professores. Uma das reivindicações era por melhorias na infraestrutura da universidade, que é a única federal de Rondônia e possui sete campi em cidades diferentes.
A outra graça, alcançada e comemorada pelos grevistas ontem mesmo (quarta-feira, dia 23 de novembro) era a renúncia do reitor Januário Amaral, acusado de desvio de recursos públicos em uma fundação que serve à universidade.
A renúncia do Sr. Amaral foi o que, percebo, deu algum (pouco) destaque à ocupação da reitoria da Unir nos últimos dias, com muita atenção aos processos administrativos, aos processos no MEC e investigações de denúncias. Pouca atenção aos estudantes, suas vozes, sua organização, seus perfis, as coisas que vestem, as coisas que fumam.
Pelas matérias de um colega (e amigo) no Uol Educação, soube que, com a luz da reitoria cortada logo no segundo dia de ocupação, os estudantes se mantiveram com geradores doados por pessoas da cidade.
Sei pouco sobre a Unir, sobre a ocupação e sobre Rondônia. Suspeito que estudem em condições bastante diferentes, em muitos aspectos, das condições da USP. Mas suspeito também que haja semelhanças no tipo de governança a que estão submetidos.
Suspeito ainda que na Unir haja alguns estudantes (nem tantos, talvez) vestidos com marcas, e outros tantos que usam maconha regularmente. Acredito até que boa parte deles pode não ter emprego, assim como muitos estudantes da USP, porque – surpresa – são estudantes.
Por causa das diferenças, comparar a ocupação da reitoria da Unir com a da USP pode parecer covardia. Em primeira análise, sobressai a impressão de que os estudantes de Rondônia, privados de condições muito mais básicas para a educação superior, tem “mais razão”.
Mas em uma frase, no rodapé de uma das matérias que li sobre o assunto, fica claro o engano inicial. A frase diz que, em uma assembléia logo após a renúncia de Amaral, apareceu uma proposta para definir-se o dia 23 de novembro como “Dia Nacional de Luta pela Democracia nas Universidades”.
Possivelmente ingênua e provavelmente impregnada da retórica do “movimento estudantil”, com o qual tenho minhas diferenças, a proposta cumpre um papel muito importante nesta matéria e nesta noticia. Ela mostra que a reivindicação real é a mesma, em Rondônia e em São Paulo. É importante que seja uma reivindicação bem feita, sim. Mas é também importante que seja ouvida, compreendida e atendida.
Pela democracia nas universidades públicas, onde ainda não é (ou era) preciso ter um emprego e mais de 30 anos de idade para ser considerado cidadão de direitos (em oposição a fedelho vagabundo), eu gostaria que os estudantes da Unir continuassem mesmo ocupando o prédio da reitoria. E os da USP também, pra falar a verdade.
Camilla Costa escreve às quintas-feiras.
2 comentários
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novembro 24, 2011 10:49 am às 10:49
Diego D.
Rapaz, eu até tinha lido sobre essa renuncia do reitor, mas nao fui atras do tema. Ignorei mesmo que houvesse razao para uma analise comparativa, mesmo ja tendo escrito 3 vezes sobre a ocupaçao da USP aqui. Acho que me deixei levar pela atençao que a imprensa da as coisas e fiz dela a minha propria atençao. Enfim, acho que fica a liçao — para mim e para quem ler seu texto — que apenas “ler criticamente” a grande imprensa pode nao ser suficiente, se voce le apenas ela. Muito bom.
novembro 24, 2011 12:51 pm às 12:51
Pedro Fernandes
O fantástico deu uma matéria grande no domingo passado sobre a Federal de Rondônia e as falcatruas do reitor. Falou da ocupação da reitoria, mas deu mais atenção ao estado de total abandono da universidade. Penso que isso pode ter ajudado a precipitar a renúncia do reitor. Porque, diferente dos alunos da usp, os alunos da unir se fizeram ouvir. Não acho os alunos da usp não possam protestar contra a permanência da polícia no campus ou contra o reitor antidemocrático, ou por mais democracia nas universidades brasileiras. Mas eles têm um problema sério que os impediu de ganhar apoio da sociedade e até da midia. Não acho que esse problema seja a maconha, seja a conta bancária ou as roupas de grife. Acho que foi a prepotência contra a tal grande mídia, fazendo dela inimiga desde a primeira hora, a mesma grande mídia que pode ter ajudado a derrubar o reitor lá em Rondônia. Acho que o problema aí é maior até que o ranço de movimento estudantil do mal, feito por estudantes profissionais e partidários, maior que a adoção de meios de protesto datados. Mais crucial que a falta de representatividade desse movimento, foi a falta media training.