Todos sabem que o faz-de-conta escrito por George Orwell que é A revolução dos bichos é uma fábula sobre a corrupção do homem pelo poder. Mas eu não sabia, ou não esperava, que a ocupação da Reitoria da USP pudesse se revelar tão rapidamente uma versão contemporânea da fábula orwelliana.

A começar por seu componente fantasioso.

Pelo que foi publicado e, que eu saiba, não-desmentido, houve duas assembleias antes da ocupação. A primeira, com grande número de alunos, decidiu por não fazê-la. A segunda, convocada quando a maioria já tinha ido embora, decidiu pelo contrário. Lembrou-me o “os senhores deputados que forem a favor da proposta continuem no mesmo lugar” corrente na Câmara dos Deputados.

Logo depois, os estudantes rejeitaram qualquer tipo de negociação porque a Reitoria cortou luz e internet. Acharam isso um ato ditatorial e uma prova de que o reitor não quer conversa. A mim me parece que os alunos querem “condições mínimas” para sua ocupação – banho quente e Facebook inclusos.

É bom lembrar que tudo começou porque três estudantes foram pegos com maconha no campus e os outros não quiseram deixar que eles fossem presos. Mesmo que a polícia tenha sido violenta, não justifica: portar maconha em uma certa quantidade ainda, e infelizmente, é passível de prisão; no mínimo, é preciso ir até a delegacia assinar um termo. De repente, a ocupação ganhou outros motivos, dentre os quais o bom, velho e infalível “abaixo o Reitor”.

Além da notícia de que os estudantes não querem ser punidos por eventuais danos ao prédio (cobrem os rostos para não serem processados), é também notável sua atitude com a imprensa: jogam pedras, agridem repórteres, tomam câmeras. Jornalistas foram feridos. Um representante dos estudantes classificou o tema de “incidente isolado”.

Assim, não é preciso esforço para associar essas técnicas e frases a tudo que o movimento estudantil prega combater. Votações de fachada – alguém pensou no Legislativo? Rostos cobertos e restrição à imprensa – quem ja viu a PM e seus soldados sem identificação ir contra passeatas estudantis? “Incidente isolado” – onde será que eu ja ouvi essa frase? Não foi um dos ministros-já-sem-ministério de Dilma Rousseff que a usou, tentando se salvar?

Também não é preciso muito para lembrar dos bichos de Orwell, que começam lutando contra os homens, e cuja história termina assim: “As criaturas de fora olhavam de um porco para um homem, de um homem para um porco e de um porco para um homem outra vez; mas já se tornara impossível distinguir quem era homem, quem era porco”.

Diego Damasceno escreve às terças