– Queria te falar algo que…

Com o pincel levado à boca, a interrompeu. Fez sinal de silêncio. Era preciso a imobilidade total, até mesmo dos lábios.

O quarto tinha uma penumbra metrificada: pela fresta da janela de vidro com madeira maltratada entrava a claridade necessária para que o rosto de Indira fosse beijado por uma luminosidade perfeita. As cores cantavam em harmonia: a bochecha rosada, a boca carmim, os olhos de um mel quase dourado, a pele branquíssima.

– É que.

Ele piscou o olho demoradamente, fez um sinal de calma com a palma da mão e pediu, mais uma vez, que ela silenciasse. Indira precisava entender que naquele momento o pintor pintava e que a senhora dona inspiração não tinha tempos para conversas, meias palavras ou observações sobre assuntos mundanos.

O quadro já durava três meses. A roupa que Indira usava para posar ficava pendurada em um pequeno gancho de metal por trás do biombo do ateliê. Era como um vestido de corte incerto, com as pontas desfiadas, vermelho, muitíssimo vermelho. Na boca, só batom. Nada nos olhos, nada nas mãos, nos braços, nos pés. Exposto mais além só o bico do peito direito à mostra, a alça do vestido caída. Dentro do espaço de quatro por quatro metros tudo era silêncios e cheiro forte de tinta.

Indira aproveitou que ele havia virado para procurar na caixa com zilhões de tubos de tinta uma que se encaixasse melhor na cor dourada dos olhos dela – “Esses seus olhos me matam porque não consigo alcançar a cor deles! Que cor! Que cor!” – e suspirou com força. Descansou do peso.

Aquele era o encontro da sexta. Encontravam-se às terças e sextas. Indira recebia por semana uma quantia que, há muito, significava somente mais um livro que compraria dali a quinze dias. O problema, no entanto, não era o dinheiro. O problema era a fixação. E ela precisava dizer dela, precisava fazer o pintor entender que a fixação estava lhe comendo os músculos da coxa, que o sexo dela gritava quando deitava na chaise longue, que o bico do peito eriçava-se quando ele dizia que quase tinha chegado na cor que precisava para a colo dela.

– Só faltam detalhes, ele disse. Cheguei à cor do seu olho, Indira e só falta um detalhe do bico do peito. Vou esperar só mais alguns minutos que é quando a luz vai tocar o bico do seu peito e a cor vai desnudá-lo.

Indira esperava ansiosa o momento daquela luz. Pouco, pouco antes que o sol pousasse sobre o bico do seu peito, Indira levantou bruscamente e arrancou do pintor uma expressão de desespero: a obra estaria fechada naquele dia, não se podia perder aquele preciso momento, não, ela não podia levantar, não, Indira, você tem que ficar lá!

Cruzou os poucos metros do ateliê e já estava a poucos centímetros do pintor. Segurou a mão melada de tinta dele, levou-a à boca e chupou-lhe os dedos. Levou o pincel ao bico do peito e fez dois movimentos circulares.

Carmezim escreve às quarta-feiras