Dizia assim “minha clarividência é de família, sou a quinta geração”, forçando um sotaque estrangeiro para reputar que sua valia, além de antiga, era importada. Enquanto acendia uma vela com cheiro de defunto contou que desde pequena se acostumou a ver o futuro, a conviver com o que ainda não existe como fato legítimo da vida, e que por isso já sabia por que ela estava ali, mas se quisesse falar. Ana não quis, mentiu que era só curiosidade, mas não lembrou de esconder as mãos, que tremiam. Queria tanto a leveza de ser mística.
Zoraide perguntou qual instrumento preferia, se os búzios ou as cartas, e Ana escolheu as cartas por achar que eram mais científicas. Que mentalizasse. E que dividisse em três partes iguais. Ana desejou que o baralho mostrasse dias livres de angústia, mas na mesma hora achou que desse modo estaria induzindo com seus pensamentos um jogo que só deveria mostrar a verdade. Era isso que buscava ali, a verdade, fosse qual fosse, e foi o que por fim se esforçou em mentalizar, não sabendo que assim demonstrava como sua imaginação era rala. As mãos já tinham parado de tremer quando distribuiu os três montes.
A vidente riu antes de mostrar a primeira carta, o que deixou Ana ainda mais aflita, sem entender se era uma coisa boa, muito boa, ou ruim, muito ruim. Arrependeu-se de estar ali dando dinheiro a uma charlatã, como diria seu pai, mas ele não vai dizer, porque ela não vai nunca contar. Cobriu o rosto de vergonha. Quando abriu os olhos, viu o desenho de um sol. E Zoraide dizia com um sorisso desdentado que tudo que ela esperava estava prestes a acontecer, o que significava que seus dias seriam de felicidade no amor e sucesso no trabalho.
Ana ficou tão feliz que quis sair dali antes que as outras cartas estragassem tudo, mas ficou. A verdade, o compromisso. As demais não desdisseram a primeira, embora cheirassem ressalvas, o que alegrou às duas mulheres, especialmente a Zoraide, que não gostava de mentir, mas o fazia com frequência, por obrigação profissional. Avisou que quando precisasse podia ligar, também atendia por telefone, era o mesmo preço, via à distância. Ana saiu como se levasse o sol guardado no bolso, sendo a recém-nascida esperança o que mais tinha de concreto. Na hora não reparou, mas faltava ainda todo o resto.
Tatiana Mendonça escreve às sextas
1 comentário
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junho 22, 2012 5:27 pm às 17:27
Daniel Cabral
Everything that happens, will happen today.