Acaba hoje a semana mais melosamente romântica do ano. Das juras apaixonadas, das promessas casamenteiras, dos olhinhos lânguidos de paixão. Uma semana que antagoniza com o espírito desse velhaco lobo da estepe, espécie de Harry Haller que despeja suas diatribes semanalmente neste espaço. Justamente por isso, e por hoje ser sábado – o dia mais indicado para reflexões piegas, segundo Vínicius – abarrotarei a página com a minha apreciação acerca do amor.

Sei que não sou o mais indicado para tal tarefa. Não possuo o romantismo fescenino de Carmezim, a sensibilidade poética de Tatiana Mendonça nem a delicadeza perspicaz de Camilla Costa. Não gosto de cartas de amor como Ricardo Viel (fui ferido por algumas) e minha vó, apesar de bastante amorosa, não fazia chimangos polvilhados a dengo que deram sustança ao querençoso editor Sangiovanni.

Ainda assim, abraço o desafio. Com a benção do supracitado Mestre Vininha – experiência de nove casamentos – ousarei expor minhas controversas galhofas sobre o amor. E digo galhofas porque não vejo definição melhor. Não é de bom tom levar–se a sério em relação a nada, muito menos em temas pertinentes ao coração.

Porque amor tem a ver com coração, sentimento. Não esses que decoram shoppings e emolduram vitrines. Esses vêm com preço pendurado e aceitam cartão de débito. O amor que eu acredito transcende o próprio conceito romântico – até porque o conceito romântico (hoje em dia) serve para agregar o valor que pode ser comercializado. O romantismo atual exige o presente como prova, o amor que eu acredito prescinde de provas. Não precisa de meios, se ele é o fim em si mesmo.

É esse amor que faz Barney Panofsky apaixonar-se loucamente no dia do seu casamento. Por outra mulher. Se não assistiram Barney’s Version (produção canadense de 2010) assistam. Além da grande atuação de Paul Giamatti há aquele recado, que a gente esquece, que o amor não aceita regras nem imposições. E de como a gente faz burrices ou por acreditar demais, ou por temer demais entregar-se  a algo tão poderoso. Nunca sabemos a medida certa e essa imprecisão acaba por engolfar o sentido que temos da realidade. O amor nos abstrai.

É por isso que mesmo não sendo romântico, prezo tanto o amor. Graças a ele vivi as aventuras mais absurdas, as mentiras mais infames, as ilusões mais escabrosas. Tudo que perdi, e tudo que tenho, devo a ele. Algumas (poucas) mágoas são diluídas pelo que realmente importa: O amor me perpetuou. Graças a ele não sofrerei do mal de Brás Cubas. Meu legado seguirá na Terra e talvez um dia minha descendência leia  meus alfarrábios com alguma ufania.

E citei Brás Cubas pois sempre me incomodou a passagem em que ele afirma: “Não se ama a mesma mulher duas vezes”. Como se o amor pudesse ser dosado ou moderado. Não Brás, amor não é sarampo que só se pega uma vez. Mas como me custa desdizer o velho Bruxo do Cosme Velho, encontrei a solução definitiva. Não se ama a mesma pessoa pela segunda vez, apenas aquele amor que tava refreado, incubado como um vírus, retoma o controle do sistema imunológico e a patologia manifesta-se novamente. Nunca estaremos plenamente curados do amor. O que pactua perfeitamente com a definição do Tio Nelson: “Todo amor é eterno. E se acaba, não era amor”.

E como é bom que nunca acabe.

                                                                                                                                                                                            Alex Rolim escreve aos sábados