Caro S.,

Espero que esta te encontre bem. Não nos falamos há tempos e mesmo que nossa relação seja limitada a uma circunstância e a um ou dois temas, sempre penso em você. Estar onde estou, de onde te escrevo, tem a ver com você, mais do que imagina.

Vi daqui que entrou em cartaz, aí no Brasil, uma nova comédia de erros chamada Cachoeiragate, estrelando os de sempre. Falou-se muito em permissividade entre o ladrão e a mídia e esse é um tema que eu gostaria de ver, não encenado, mas tratado com honestidade. Você acha que temos diretores capazes disso?

Você deve ter pensado em Nelson P. dos Santos e eu não assisti a seu último filme, que se passa em Brasília (a ver, na volta). Mas eu não pediria mais nada a ele, depois de tudo que já fez. Gostaria mesmo é de poder pensar que um dos mais novos e mais poderosos pudesse assumir o projeto.

Não me animo, S. Falei em permissividade de propósito: veja o tratamento que o primeiro, Walter Salles, tem. Um site de jornal diz que seu On the road foi aplaudido de pé. Foi. Mas a recepção crítica foi bem morna. Isso o jornal desse site tratou de relativizar na matéria impressa que deu: quando cita uma crítica negativa publicada em Londres, seleciona os trechos menos intensos. Sei porque li a crítica inteira e o resumo que saiu no Brasil é bastante, digamos, subjetivo.

Um outro site de jornal replica a matéria dos seis minutos de aplausos. Num blog, o crítico titular do jornal enfileira posts como um advogado do filme: não faz crítica propriamente dita, mas enumera quantas e quais pessoas importantes gostaram do filme. Talvez a gente devesse pensar: “Ah, se o diretor do museu beatnik gostou, eu tenho de gostar”. Não pensei assim. Achei o filme bem medíocre.

O outro diretor poderoso é Fernando Meirelles. A última dele: “Xingu não foi bem porque o brasileiro não gosta de índio”. Ele produz o filme. E mostra que é mais produtor que cineasta quando emenda, em seguida:

“Enfim, depois dessa surpresa e vendo a lista de filmes que fazem grande público no Brasil, fiquei extremamente desmotivado em embarcar no projeto que estava planejando para o ano que vem, uma adaptação de Grande Sertão: Veredas, do Guimarães Rosa. Seria muito esforço para no final fazer apenas 300 mil espectadores. Nesta semana resolvi tirar o time de campo”.

Essa é a fala de um realizador? Me pergunto. Meirelles não quer “fazer” (atenção para as palavras!) “apenas” 300 mil espectadores. Interpreta a bilheteria de Xingu pelo viés numérico apenas. E quando os diretores começam a pensar como produtores… Enfim, você leu “A revolução dos bichos” e lembra como acaba.

Acho que se Meirelles baixou tanto o nível do debate, vou me permitir descer um pouco também: fico grato que ele tenha desistido. É um livro muito especial. A a julgar por “Ensaio sobre a cegueira”…

Um abraço,

Seu, etc.

C. L.

Diego Damasceno, titular das terças, escreve excepcionalmente nesta quinta