Certamente não procede essa tese.
O que há – e tenho refletido bastante acerca disso ultimamente – é uma diferença do papel social do trabalho em cada lugar e, no caso específico, em cada região do Brasil. Tendo a crer que o fato de a Bahia (e, de certa forma, o Nordeste) ter sido o centro nervoso da empresa agrícola-escravista-colonial faz toda a diferença no que diz respeito à conotação que o trabalho tem (recebeu/herdou) por aqui. O que se costuma chamar maldosa e burramente de preguiça “intrínseca” é, em minha opinião, a expressão da igualdade trabalho-exploração – ideia que, embora se manifeste em todo canto do Brasil, tem como herdeira por excelência (acho) a Bahia.
Então, ter preconceito com a Bahia e com o Nordeste é prova de quão ignorante o povo brasileiro (acentuadamente os alguns sudestinos e sulistas que disseminam tal preconceito) aceita ser. O tratamento que o Brasil dispensa à Bahia (e, o que é pior, o tratamento que a própria Bahia ultimamente dispensa à Bahia) é, de certa forma, uma tentativa inconsciente de “limpar” da história do país um passado horroroso e cheio de violências – em suma, significa aceitar e reproduzir o ponto de vista do colonizador, do patrão, do dono da terra, do rico, do português, do europeu etc. Ora: se a Bahia e o Nordeste têm os problemas todos que têm, é sem dúvida porque foram os lugares onde o projeto de Brasil pensado pelos colonizadores portugueses deu mais certo, cara pálida!
Enquanto não resolvermos entender a fundo e assumir o protagonismo de direcionar todos os esforços a solucionar o que foi (e o que ainda é) a escravidão, o Brasil vai seguir caminhando aos tropicões. E a (porra da) história da escravidão – que é o que em minha opinião, repito, leva a esse discurso babaca do povo preguiçoso – começa e tem sua expressão mais aguda aqui na Bahia.
(trecho de correspondência com os amigos Daniel Cabral e Camilla Costa. Por mui honesto, replico-o aqui, à guisa de texto deste domingo)
Ricardo Sangiovanni escreve aos domingos
3 comentários
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junho 3, 2012 9:21 pm às 21:21
Eduardo Sarno
A bem da verdade: quem sempre foi preguiçosa ( e ainda o é) é a elite baiana, os históricos chupa-negros, que viveram às custas do sangue e suor dos africanos e descendentes. Os negros, talvez antecipando-se a de Masi, pensavam e faziam: se posso dançar para mim porque vou trabalhar para os outros ? Como por aqui não temos mordomos, fica o dito que a culpa é sempre das elites.
junho 5, 2012 6:23 pm às 18:23
André Fagundes
Sensacional o texto Ricardo, realmente precisamos analisar com muito mais profundidade a questão da escravidão, da “preguiça do povo baiano”, enfim, de várias peculiaridades tão nossas. Nosso Nordeste como você tão bem colocou é o melhor reflexo do que queriam nossos colonizadores, o projeto foi cumprido com maestria, e agora é muito difícil se livrar dessa herança maldita.
março 7, 2014 9:45 pm às 21:45
evaldo bastos quiteiro
eles olham la do alto dando risadas da nossa santa ignorancia . .usam futibol ,novelas, etc. sera que eles estao preocupados que norte sul leste e oeste se unam …. se nos preocupassemos mais com a vida , educacao o mundo seria diferente .sim linguagem culta nao leva ninguem a ser culto.