Certamente não procede essa tese.

O que há – e tenho refletido bastante acerca disso ultimamente – é uma diferença do papel social do trabalho em cada lugar e, no caso específico, em cada região do Brasil. Tendo a crer que o fato de a Bahia (e, de certa forma, o Nordeste) ter sido o centro nervoso da empresa agrícola-escravista-colonial faz toda a diferença no que diz respeito à conotação que o trabalho tem (recebeu/herdou) por aqui. O que se costuma chamar maldosa e burramente de preguiça “intrínseca” é, em minha opinião, a expressão da igualdade trabalho-exploração – ideia que, embora se manifeste em todo canto do Brasil, tem como herdeira por excelência (acho) a Bahia.

Então, ter preconceito com a Bahia e com o Nordeste é prova de quão ignorante o povo brasileiro (acentuadamente os alguns sudestinos e sulistas que disseminam tal preconceito) aceita ser. O tratamento que o Brasil dispensa à Bahia (e, o que é pior, o tratamento que a própria Bahia ultimamente dispensa à Bahia) é, de certa forma, uma tentativa inconsciente de “limpar” da história do país um passado horroroso e cheio de violências – em suma, significa aceitar e reproduzir o ponto de vista do colonizador, do patrão, do dono da terra, do rico, do português, do europeu etc. Ora: se a Bahia e o Nordeste têm os problemas todos que têm, é sem dúvida porque foram os lugares onde o projeto de Brasil pensado pelos colonizadores portugueses deu mais certo, cara pálida!

Enquanto não resolvermos entender a fundo e assumir o protagonismo de direcionar todos os esforços a solucionar o que foi (e o que ainda é) a escravidão, o Brasil vai seguir caminhando aos tropicões. E a (porra da) história da escravidão – que é o que em minha opinião, repito, leva a esse discurso babaca do povo preguiçoso – começa e tem sua expressão mais aguda aqui na Bahia.

(trecho de correspondência com os amigos Daniel Cabral e Camilla Costa. Por mui honesto, replico-o aqui, à guisa de texto deste domingo)

Ricardo Sangiovanni escreve aos domingos