– Cê tem olhos de fazer chover.

Dito assim, fazer chover, dava um certo ritmo. Nela, uma disritmiazinha. Ruborizou. As mãos cruzadas sobre as pernas que não tocavam o chão, sentada no banco da estação.

– Mas… mas eu nem sei o que é isso.

Ela olhou o cadarço desamarrado dele, balançou um pouco mais as pequeninas pernas, ajeitou a borracha que prendia o cabelo dourado. Um olho nele, o outro na mãe, muro intransponível, a mão amarrada na dela.

– Assim, olhos de fazer chover mesmo.

Achou engraçado. Ela gostava tanto tanto de brincar na chuva, melar os pés na lama, abrir a boca e beber os pingos. Só não gostava quando engasgava – êita! Ter olhos de fazer chover devia ser bom.

O trem parou na frente e ela viu, de longe, o seu reflexo, os olhos. Eram brancos, com a bola azul e aqueles cabelinhos que todos têm. Só podia ser brincadeira de menino. Aquelas baboseiras.

– Onde você viu isso em mim? Você devia era amarrar o cadarço pra não cair e não ficar aí falando dos olhos de chover dos outros. São de chover, mas são meus.

Ele desajeitou-se todo.

– Você gosta de brincar de quê?

Pergunta de menino, ela pensou. Revidou.

– Gosto de brincar de pegar pingo da chuva. Guardar na mão (tentou escorregar a outra mão da prisão da mãe, em vão), colocar numa caixinha que tenho no meu quarto e conversar com ele. Só as meninas sabem fazer isso.

– Ah, tá. Pois fique sabendo você que eu faço chover é dentro do meu quarto!

Espertinho!, ela pensou. Ele emendou:

– Aí eu fico por aí, atrás de quem saiba ver comigo coisa que só eu vejo.

– Engraçado, no meu quarto não chove. Você é quem?

– Dino.

Ele abaixou, amarrou o cadarço.

– Dino… seu laço ficou bem feito. Eu vi que ficou, com os meus olhos de fazer chover.

Ele sorriu. Era um fio tênue, uma ligação recém-nascida. Um aceite. O trem do menino chegou. Ela avaliou tudo – o nome do bairro, o número do trem, a hora que ele saía, a quem ele dava a mão. Olhou pra o laço. Fixamente.

– Olha…

Silêncio.

– Olha, Dino… você tem olhos de sumir ou olhos de chover, que nem eu?

– Olhos de chover, olhos de chover…

E foi, tropeçando no laço mal feito do sapato.

*Carmezim publica às quartas