De todos os espécimes da taxonomia humana, um quiçá permanecerá como uma fonte inesgotável de assombro para os futuros cientistas: o condômino.
De um arquivo empoeirado, irão retirar imagens, atas de reuniões, avisos pregados em elevadores e bilhetes de fim de ano. Eles se debruçarão intrigados sobre questões como a convivência entre grupos de condôminos, a interferência do ambiente em suas relações, seus rituais de reconhecimento, avaliação e cumprimentos (ou a falta deles).
Regras como a cobrança extra pelo uso de espaços cuja manutenção – constará nas atas – já era paga mensalmente e a proibição de guardar bicicletas na garagem dos prédios serão tema de debates, na tentativa de compreender as intricadas regras pelas quais navegava a espécie.
Na foto tirada por um pesquisador camuflado, o condômino aparecerá sentado, complacente, na companhia de seus pares, na piscina do prédio. Eles não usam roupas de banho, um sinal dos tempos. Não era permitido entrar na piscina.
Após tentativas extenuantes de classificar os condôminos em diferentes ordens, filos, classes sociais e níveis culturais, os cientistas talvez fossem forçados a admitir que o mistério possa ter uma solução simples.
A raiz das contradições na psique do condômino – que o fizeram escolher a partilha da vida privada e, ao mesmo tempo, cercá-la de muros contra a liberdade alheia – poderia estar simplesmente em sua insatisfação.
Talvez o condômino, com seu olhar baixo no elevador e sua indignação diante do uso indiscriminado da piscina, estivesse preso em uma realidade evolutiva com a qual não se sentia confortável.
Ao chegar a esta conclusão – não tão brilhante, mas satisfatória – os cientistas abandonariam a espécie até que novos acadêmicos, cheios de idéias sobre o passado, voltassem a demonstrar interesse nela.
Mas antes, eles remanejariam sutilmente o condômino dentro da árvore da taxonomia humana na virada do milênio. Ele ficaria mais próximo de outra espécie intrigante, contraditória e emblemática: o motorista.
*Camilla Costa escreve às quintas
3 comentários
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março 31, 2011 5:03 pm às 17:03
Victor Valente
Mila, adorei!!!! Essa foto tirada ao lado da piscina, poderia ter sido eu, o pobre condômino sem o seu atestado médico e, portanto, impossibilitado de entrar na piscina do prédio em que paga R$ 350,00 de condomínio. Mas isso até pouco tempo atrás, pois com a mudança do síndico (que tinha seu nome pichado nas paredes das escadarias, ao lado do adjetivo FACISTA), depois que essa outra espécie (que merece um texto só pra ela) se retirou, o tempo agora é de alegria! Vejamos até eu levar os colegas de trabalho pra jogar bola na quadra… Acho que a mesma nunca foi usada, pelo menos desde que eu eu moro lá, há 1 ano, nunca vi um condômino sequer….
abril 7, 2011 2:26 pm às 14:26
Camilo Fróes
Não falto jamais a uma reunião de condomínio. Deixo de ir em casamento, futebol e formatura. Não falto. Eis um caso rápido, do sub-síndico – um exemplo positivo. Alguém riscou um recado colado pela síndica na parede do elevador com palavrões. Este episódio foi citado por uma senhora que em poucos segundos concluiria que vivemos entre animais. Mas o sub-síndico interveio. Disse: “Eu, como artista, como educador, entendo que se alguém escreve no papel do elevador, há aí uma necessidade de expressão. Ao invés de atacar essa pessoa, que nem sabemos quem é, poderíamos colocar um quadro no elevador, para que as pessoas escrevessem o que quisessem. Eu moro no décimo andar. Não tenho o que fazer parado enquanto espero a chegada. Fico me olhando no espelho, alimentando meu ego, isso é ruim para mim. Poderia estar lendo o que alguém deixou, ou escrevendo…”
A sugestão foi peremptoriamente negada.
abril 7, 2011 2:30 pm às 14:30
Camilla Costa
Que gênio esse sub-síndico