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Toda grande estória de amor começa de forma inusitada. Eu era jovem demais, recém-chegado de cidade pequena, não estava acostumado a tanto som e brilho quando te conheci. Ainda sinto o gosto do ligante de tamarindo que troquei por um passe – moeda corrente dos estudantes de pouca posse – e o formigamento que senti por toda face quando te encarei frente a frente. Sem que percebesse o tamanho da insanidade do meu ato, estava de braços abertos, sem camisa, a berrar no meio da avenida: “Não me abandone/ Não me desespere/ Que eu não posso ficar sem você”.
Esse amor hoje completa duas décadas. Tivemos a fase do encantamento, onde eu só enxergava tuas qualidades. “Eu deixaria a areia coberta de você/ O seu cabelo enrolado é um cachinho de dendê”. MINHA INHA. Choveu sorvete na nossa selva branca, até a banda dar um breque e cair água do avião. Amor non-sense, quase surrealista. Alô paixão, alô doçura, pegue o tribal e vamos. Mas antes, TAKE IT EASY, só quero um sonho que se realize. Seguirei.
Veio a primeira crise. Sem te dizer nada, fugi. Exilei-me na idílica Itaparica Ubaldiana. Não queria te ouvir, saber noticias tuas, queria te esquecer por completo. ‘“O amor é como vendaval, mas se quebra como cristal”. De repente, num soslaio maroto, te vejo pela TV, linda, animada, parecia não sentir minha ausência. Senti-me traído, e tal qual Otelo, num rompante colérico embarquei no primeiro ferry-boat [sim eles funcionaram um dia] para saciar meu desejo de amar. Ainda era domingo. Reatamos. E eu prometi jamais repetir tamanho vitupério.
“Te espero no verão”. Sempre te disse isso, após o Hino do Senhor do Bonfim entoado pela multidão no encontro de trios. Quando você abandonou essa tradição me revoltei. “A gente se completa enchendo de alegria/ a praça e o poeta” – você lembra? Outra crise. Não consigo me acostumar com esses arrastões que invadem a quaresma católica. Entendo que não se vive de amor e brisa, e ninguém quer mais dividir espaço [e exposição de patrocínio] hoje em dia. Mas gosto das coisas como eram.
Como um amante que sempre busca motivos para manter-se apaixonado – e fiel – ao objeto de sua adoração, passei a explorar outras facetas da sua essência. Então o Negrume da Noite reluziu o dia, e a emersão nem Osíris sabe como aconteceu. E lá vou eu. Novamente.
O fino toque do agogô me manteve próximo a ti. Como também a vida boa, atrás do trio elétrico. Sei que é um amor complicado, Julieta e Romeu – igualzinho você e eu.
Por isso te digo: Tá na hora de abandonar de vez essas cordas. Elas podem ter sido importantes no passado – um pouco de bondage faz bem pra qualquer relação – mas eu cansei. Deixe isso pra Anastasia Steele e o mundo cinza dela. Pega mal isso de querer ser dono do que não é seu. Nossa relação precisa evoluir para algo libertário, mais condizente com o espírito do carnaval, sacou?
Hoje quando o Momo [que voltou a ser gordo, evoé] receber as chaves da cidade, terá início mais um capítulo do nosso romance sazonal. Nunca te troquei por outra folia, Carnaval de Salvador. E nem quero. Mas você precisa entender que esse lance de corda está asfixiando a nossa relação. Tal qual Otelo a Desdemôna. Estórias de amor, infelizmente, são assim. Mesmo as mais belas tem um toque de tragédia.
Alex Rolim escreve às quintas e pode ser encontrado em algum ponto dos 25 Km de circuito carnavalesco até a próxima terça