*A equipe de O Purgatório está de férias até o dia 13 de janeiro. Até lá, republicaremos diariamente uma seleção dos melhores textos de nossos colunistas ao longo de 2012. A todos, um bom 2013!

Ainda tenho alguns meses de França, mas minha maior lembrança de sua capital já está escolhida. Ela não será sólida, nem visual, nem perfumada. Não será paisagística, monumental, romântica, nem consumista. Depois de dois anos aqui, ela será turística, turística como quis Julio Cortazar:

“Eu gostaria que Paris se entregasse a mim sempre como a cidade do primeiro dia. Estou aqui há quatro meses: mas cheguei ontem de noite, chegarei outra vez esta noite. Amanhã será meu primeiro dia em Paris.”

Ela será um pouco cinematográfica também, apesar de não ter nada a ver com filmes que vi ou com o tumulo de Méliès que visitei. E ela confirma também o clichê da primeira impressão: em mim, foi a que ficou.

Eu subia as escadas rolantes da gare Cité Universitaire e até ali só tinha visto trilhos, túneis e a periferia. Mas quando o último degrau foi engolido, e eu pisei no nível da rua… passava um bonde.

Ele passou, e eu fiquei olhando.

Ele foi indo, e eu fui ficando.

Quando vi, ele tinha levado consigo algo de mim, e é como se tudo que eu visse até hoje, fosse visto de cima desse bonde.

O bonde anda num ritmo que é, em tudo, o ritmo da cidade. Ou melhor: o ritmo que é a cidade. É por isso que passa por descobrir seu ritmo a experiência de conhecer Paris. Paris é antes de tudo movimento (daí cinematográfica), mas de um tipo tão complexo que não se pode imitar, apenas acompanhar com os olhos. Paris exige paciência e distanciamento, ela só se dá ao turista do tipo cortazariano.

O melhor que dela se pode ver se vê de fora — e é possível estar de fora estando no centro. O melhor que ela tem para mostrar ela mostra sem querer, como se espectador e ator existissem em dimensões paralelas, e o ultimo não se desse conta do primeiro. Paris é nesse sentido um espetáculo por acaso.

Por isso tudo aqui é meio fantasma, meio fora do tempo, meio rio, meio esquecimento.

Recomendo a todo mundo que saia do aeroporto e venha direto para a Cité Universitaire. Com sorte, subirá a tempo de ver o bonde passar.

Diego Damasceno escreve às terças