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É uma pena que, no Brasil, Frango com ameixas e As aventuras de Tintim:o segredo do Licorne não estréiem juntos. Pois é juntos que eles merecem ser discutidos.

De cara porque são dois filmes que vêm dos quadrinhos – mas não dos quadrinhos de super-herói – e que escapam do gênero de ação (leia-se: do gênero explosão e porrada).

Mas, sobretudo, por seus defeitos.

Tintim desfigurou os personagens em que se baseia para encaixar-se numa moral conservadora: defende a família e tem heróis-exemplo de bom-mocismo. Exemplo 1: no álbum de origem, O Tintim e segredo do Licorne, um dos eventos deflagradores do misterio é causado por Milou, o que lhe rende um sermão de seu dono – no filme, um gato que entra em cena e arma a confusão. Ficamos no “foi sem querer”, num mundo de imperfeições. Exemplo 2 – e esse é o golpe que os leitores mais vão sentir: sumiu o charme cachaceiro do Capitão Haddock, fonte de humor nos quadrinhos. O que temos no filme é um alcoólatra em vias de abandonar o vício. Vício e alcoólatra sendo a marca da passagem para o “realismo aceitável”, em termos morais, sobre a qual o filme opera em relação ao original de Hergé.

Ja Frango é tao fiel que torna-se menos um filme do que uma versão animada da HQ. Oficialmente, Vincent Paronnaud divide a direção com Marjane Satrapi, mas não há nada – ao menos nada de importante – no filme que não seja tal e qual no álbum. Como obra de invenção, ao filme falta autonomia.

Ha também um desnível, digamos, na concepção visual, de que os delírios de morte do protagonista Nasser Ali, centrais na narrativa, são o melhor exemplo.

No livro, o sonho e o real são desenhados da mesma forma. O traço sinuoso de Marjane dá-se facilmente à representação da realidade, e o leitor o aceita como dado básico do mundo. Quando estamos na imaginação de Nasser Ali, vemos o outro lado dessa linguagem, e sua polivalência é revelada: descobrimos que as curvas e o preto-e-branco se dão igualmente bem com a liberdade que marca a construção das imagens mentais do personagem. Mas essa descoberta se dá em função da informação anterior, nunca descola dela, isto é: vemos o sonho sem esquecer de que vimos o real. Frango mostra-se assim um prodígio de linguagem graáfico-narrativa, que comporta aproximação e distância sem ter de recorrer a meios de expressão que não os seus.

Já no filme, o estabelecimento plástico de um real é duvidoso, no mínimo frágil: a cidade, a casa, o pátio, a montanha, tudo é ligeiramente estilizado, assim como o sonho, a alucinação. Isso é um problema porque Frango, no cinema, não é uma animação, mas um filme com gente. Diferentemente da HQ, na qual real e imaginário equilibram-se sobre uma linguagem própria e única, no filme esses dois níveis tornam-se um só. Ao contrário de fazer o espectador experimentar a dor e os momentos de fuga de Nasser Ali, como faz a HQ, o filme aparece como uma narrativa de um fracasso apriorístico, sem solução, logo sem interesse. Se em ambos, filme e HQ, sabemos que o protagonista vai morrer, apenas no segundo somos projetados como íntimos seus.

O que nos leva finalmente ao interesse de analisar os dois filmes juntos: sua relação com o tempo.

Tintim, todo feito no computador, é um filme sem câmera e sem suposição de uma câmera: o ponto de vista é sempre flutuante. E se não há ponto de vista definido, não há cena definida. A impressão que se tem é que pode-se ver tudo de qualquer ângulo. Ao invés de manipular o personagem, Spielberg manipulou todo o universo ao seu redor. Subjugou totalmente o espaço e assim desfigurou duas ideias-chaves do cinema: 1) a autoria, sendo o ponto de vista da câmera a tradução do ponto de vista pessoal do narrador/diretor do filme; 2) o tempo, morto pela já citada possibilidade de tudo ver, de qualquer angulo, a qualquer instante.

Tintim é uma aberração temporal, um filme do presente eterno. E o fato de que a cena final é um anúncio de que Tintin 2 já está em produção só reforça essa ideia, ainda que o faça em um outro registro, não mais plástico, mas econômico.

Nesse quesito Frango se sai melhor: a partir da cena inicial (o funeral de Nasser Ali) ele se desenvolve como uma triste e bem narrada crônica sobre a fugacidade da vida, na qual a unica permanência possivel é aquela que se encontra na morte. O presente é assim o contrário da eternidade e essa informação vem não como dado natural, próprio do universo mostrado, mas como discurso, como opinião, como visão de mundo do realizador. Isto é, como seu ponto de vista.

Diego Damasceno escreve às terças

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