Era uma vez um grande caçador,
que gostava de andar pelo mundo sem parar.
Seu nome era Orô
e era filho de Iemanjá.

O mundo parecia inclinado quarenta e cinco graus para a direita, e coincidentemente fazia quarenta e cinco minutos que a fila do acarajé empacara. Tinha vontade de abandoná-la, mas alguém que passa o dia todo bebendo, sem comer, precisa de um acarajé para continuar bebendo.

Além do mais, sua posição era totalmente favorável para que aquele cara de braços nus, nariz adunco e barba cerrada continuasse a fitá-la. A secá-la, melhor dizendo — a comê-la com os olhos.

E também para que o outro, com quem ela viera e com quem acabara de brigar, visse que não lhe dava a mínima, que ele era completamente substituível.

Orô viajada, caçava
e conquistava seus amores.
Todas as mulheres tinham uma queda por Orô
e ele adorava estar em sua companhia.
Um dia Orô achou que era hora de assentar na vida.
Orô casou-se.
Era então o caçador pacato,
que esperava ansioso o nascimento do seu primogênito.

O barbudo se aproximou, estendeu-lhe o copo, ofereceu um cigarro e convidou-a, numa voz rouca, para comer crepes, ali no Rio Vermelho mesmo, num lugar próximo e tão badalado quanto a Dinha.

Quando passaram pelo outro, ela fez questão de agarrar o bíceps musculoso do seu novo acompanhante e de elogiar a grande tatuagem que lhe cobria o braço.

Mas sua mulher o traiu
e abortou seu filho.
Orô não a perdoou
e desde então odiou as mulheres.
Retirou-se para as matas que cercavam a cidade
e nunca mais mulher alguma o viu.

— Badalado, hein? — ela abriu um meio sorriso, antes de morder com volúpia o lábio do estranho.

Não sabia dizer onde estavam. Em alguma ruela do bairro, deserta, escura, encostados em uma árvore centenária.

— Vai dizer que você não gostou? — sussurrou ele. — Vai ser inesquecível.

Aquele homem parecia um gigante; para cima ou para os lados, ela só via o seu corpo, estendendo-se até o horizonte. Suas mãos seriam capazes de envolvê-la como um casulo, e foi justamente o que ele fez. As roupas se rasgaram: era a hora da borboleta. Ele a ergueu, um primeiro incentivo para um voo bem-sucedido. Com pernas e braços presos às costas dele, ela descia e subia, descia e subia, voando, voando, talvez próxima à lua — se fosse noite de lua.

O orgasmo veio e destronou todos os sentidos, para reinar impávido naquele corpo. Sim, era mesmo um soberano: o soar de berrantes não deixava dúvida. Abram caminho para o rei!

Então ela se viu refletida em duas estrelas, pairadas na escuridão da copa da árvore. E que se aproximaram rápido, com um rugido cavernoso. Sentiu um medo tão grande que suas asas caíram, voltou a ser uma lagarta, atada ao chão, desprotegida. Não, não eram estrelas, mas os olhos vorazes de um pássaro, mergulhando em sua direção. Um pássaro de presas?

A pobre lagarta levou as mãos à frente do rosto, como se o ato de não ver afastasse o que cria, sem muita certeza, ser uma alucinação.

E foi puxada.

Quem de Orô se aproxima, de dia ou de noite,
pode escutar sua voz cavernosa e horripilante,
grave como o som dos berrantes.
(…)
e todos o temem e o evitam.
Evitam até mesmo ouvir o pavoroso som de sua garganta,
especialmente as mulheres, que ele odeia
e culpa por sua triste sina.
Vive na mata, onde aplica sua justiça,
devorando feiticeiros,
criminosos condenados
e mulheres adúlteras que os homens lhe entregam.*

Com sua voz rouca, ele cantou uma canção em iorubá, até que os berrantes se calaram. Passada a fascinação do momento, acendeu um cigarro e se pôs a caminhar. Agora se sentia melhor. Prestara homenagem ao seu orixá, cujo símbolo — o berrante — levava tatuado com orgulho. Fizera seu ebó. E para Orixá Orô, cuja oferenda é melhor quando aumenta sua ira, nada mais apropriado que uma mulher.

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Breno Fernandes, que sonha ser o Dan Brown da Bahia, escreve às segundas-feiras, quinzenalmente

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*PRANDI, Reginaldo. Orô é traído pela mulher e se afasta do mundo. In: Mitologia dos Orixás. São Paulo: Companhia das Letras, 2001, pp. 186-187.