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De novo me vi sem saber o que dizer aqui, então pensei que podia falar de fantasmas, essa ausência aterrorizante. Há uns meses li um livro muito interessante, que mais parecia transfusão de inteligência. O nome, já sei que vai perguntar, é Muito Além do Nosso Eu, do brilhante cientista brasileiro Miguel Nicolelis. Às tantas, ele esmera-se em decifrar por que pessoas que tiveram membros amputados, em acidentes, guerras e mesas de cirurgia, continuam sentindo que seus braços ou pernas permanecem onde sempre estiveram, e pior, doendo de forma lancinante. Penso, e não consigo atinar, numa imagem mais terrível.

Diz Nicolelis, amparado por pesquisas de colegas seus, que o caso é culpa da esperteza do sistema nervoso, que a cada instante cria uma imagem interna do nosso corpo.  “A imagem do corpo e de seus limites que o cérebro contém permaneceria ativa mesmo depois da remoção física de um membro, criando a sensação anômala, mas absolutamente real, que caracteriza o membro fantasma”, diz, citando Melzack.

Mas como curar uma dor física que, na prática, não existe? O neurocientista indiano Ramachandran teve uma ideia genial (tenho certeza de que você há de concordar). Ele construiu uma caixa de espelhos na qual os pacientes podiam “acalmar” seus membros fantasmas. Segue um trecho:

Nesse aparato, espelhos eram inseridos no lugar do topo da caixa, que era removido. Duas aberturas circulares eram feitas no lado da caixa que ficava de frente para o paciente, de sorte que ele pudesse inserir ambos os braços, o remanescente e o fantasma, dentro do aparato. Cada paciente era então instruído a inserir o braço intacto em uma das aberturas e aproximar da outra o coto do braço amputado. Devido à colocação peculiar dos espelhos, o reflexo da imagem do braço intacto projetava-se exatamente na posição onde o outro braço do paciente, o amputado, deveria estar. Esse truque criava a ilusão visual de que o braço amputado fora instaurado no corpo. Como era esperado, imediatamente após serem instruídos a observar a imagem resultante dentro da caixa, os pacientes reportavam a sensação de ver ambos os braços quase como se eles tivessem sido presenteados com uma graça de São Cosme e Damião. 

(…)

Seis dos pacientes que usaram o aparato durante vários dias relataram que, ao serem instruídos a mover o braço intacto, eles experimentaram a sensação de que o braço fantasma se moveu também. (…) Quatro dos pacientes usaram essa nova capacidade motora para relaxar e, finalmente, abrir um punho fantasma que permanecera cerrado desde a amputação. Para eles, essa foi a primeira vez que a dor de seus membros fantasmas foi aliviada por completo. Em um paciente, a rotina de apenas dez minutos por dia de prática  com a caixa de espelhos foi suficiente para causar o desaparecimento completo de seu braço e cotovelo fantasmas em três semanas. E quando esse fantasma se foi, a dor insuportável se foi com ele. De alguma forma, a ilusão visual fora suficiente para elminar o delírio tátil.

Passando da ciência para outro canto, fico pensando como é que se pode explicar essas saudades que sinto, tão profundas e reais, de tantas coisas que nunca fui e por tudo queria ter sido. E se houvesse uma caixinha de espelhos onde pudesse ser. Quem a descobrisse talvez ficasse tão contente com o invento que nem cobraria ingresso. E lá a felicidade larga do sonho, das vidas futuras e passadas.

Tatiana Mendonça escreve às sextas

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